Nesta seleção, incluí The Byrds/Stooges; Ramones/Legião Urbana; Martha Reeves/Rolling Stones; No More Auction Block/Bob Dylan; Donna Summer/New Order; Kraftwerk/Franz Ferdinand; Chopin/Serge Gainsbourg/João Gilberto:
Thursday, February 11, 2016
Influências 1
A inspiração, criatividade, ou seja lá o que for esse ato de criar, passa por diversos canais do pensamento e do não pensamento. Não me refiro aos descaradamente plagiadores. Por isso editei esse vídeo, em que vou intercalando músicas e suas inspirações:
Thursday, December 17, 2015
A lembrança encobridora como formação do inconsciente* (um texto para a pós-graduação)
Em "Lembranças Encobridoras" (1899), o processo de análise empregado por Freud em relação a uma recordação de infância de seu paciente assemelha-se ao seu método de análise de sonhos, condensado em "Sobre os Sonhos" (1901). Os dois textos compartilham noções como "formação de compromisso", "conteúdo latente" e "deformação". É possível fazer uma analogia entre recordações infantis e sonhos, uma vez que ambos representariam manifestações disfarçadas de desejos. Da mesma forma que podemos nos dedicar a entender o porquê de acontecimentos aparentemente banais da infância terem ficado retidos na memória (muitas vezes em detrimento de experiências de impacto na biografia pessoal de um indivíduo, como o nascimento de um irmão, morte de um parente, um acidente, uma mudança de residência etc.), há um trabalho de análise a ser empregado para compreender por que motivo acontecimentos insignificantes dos "restos do dia" reaparecem nos sonhos. Como escreve Freud no primeiro texto, "há uma relação direta entre a importância psíquica da experiência e sua retenção na memória".
Para efeitos de síntese, vou chamar o paciente de Freud analisado no texto de Cientista, em referência à sua profissão. Como este trabalho proposto pede a análise da análise, utilizarei uma ordem cronológica dos eventos conforme as conclusões tiradas por Freud e o Cientista ao fim do relato em "Lembranças Encobridoras". Apesar de a lembrança de infância obviamente ter sido o primeiro acontecimento em uma linha do tempo, ela entrará em dois momentos nesta descrição (como ela supostamente ocorreu e como foi rememorada), uma vez que tal recordação se mostrará como o resultado de uma série de processos (assim como também o é um sonho manifesto).
Situação 1 - O cenário: dia, campo, colina e casa ao fundo, onde uma camponesa e uma babá conversam. É a cidade natal do Cientista. Ainda criança, ele está brincando na grama com o primo e a Prima (em caixa alta porque ela é um personagem importante). Cada uma das crianças colhe flores amarelas (dentes de leão). Mas os meninos acham que as flores da menina são mais bonitas, e resolvem roubar seus ramos. Ela chora e sai correndo em direção às duas adultas. Como consolo, a menina ganha pão dessas mulheres. Vendo isso, os dois meninos largam as flores e também correm para elas, em busca de pão.
Por que o Cientista se lembra de acontecimento tão sem importância, sendo que na mesma época ocorreram fatos literalmente marcantes, como um ferimento no rosto que lhe rendeu uma cicatriz? Os passos seguintes nessa construção vêm descritos a seguir.
Situação 2 - O Cientista, pouco tempo depois do imbróglio com os primos, se muda com os pais para a cidade, devido a má situação financeira desses. Seguem-se "anos difíceis e longos". Sente-se incomodado na cidade, e recorda com nostalgia da cidade natal e dos campos.
Situação 3 - Aos 17 anos, o Cientista retorna à sua cidade natal para uma visita de férias e se hospeda na casa de uma família amiga. Impressiona-se com a prosperidade financeira desses, em oposição à conquistada pela sua própria família. Apaixona-se à primeira vista pela filha do casal (que chamarei aqui de Moça Campestre), que na ocasião usa um vestido amarelo, mas não o mesmo amarelo das flores da Situação 1. Tímido, ele mantém essa paixão arrebatadora em segredo. Durante sua estadia, ele faz longos e solitários passeios pelos campos e cria fantasias. Imagina como teria sido bom se a falência do pai não tivesse acontecido e pudesse ter permanecido no campo. Assim, ele e a Moça Campestre teriam crescido juntos e se apaixonado.
Situação 4 - O Cientista tem 20 anos e nem se lembra mais da Moça Campestre. Faz uma viagem de férias a outra cidade, onde agora moram seus tios e reencontra o primo e a Prima (os mesmos da Situação 1). Essa família também prosperou muito financeiramente. Nessa ocasião, o Cientista estava na universidade e só queria saber de estudar. Não se apaixonou pela Prima. Mas percebeu que seu pai e seu tio arquitetavam secretamente um plano para que ele se casasse com a Prima e morasse onde o tio morava. Pai e tio estavam preocupados com o futuro do Cientista, que, a julgar pelo foco de seus estudos, não se direcionava para uma carreira de estabilidade e facilidades financeiras. O plano secreto foi abandonado quando pai e tio perceberam que o Cientista estava determinado em seguir seu próprio rumo.
Neste momento, certas lembranças de infância do Cientista começam a surgir.
Situação 5 - Anos depois, o Cientista já está formado e passa por dificuldades de colocação no mercado, uma vez que ainda é um novato. Ele começa a reconhecer que seu pai, na Situação 4, foi bem intencionado ao se preocupar com o futuro profissional e financeiro do filho. O casamento arranjado com a Prima lhe pouparia das dificuldades que passava agora e compensaria os anos difíceis da infância/adolescência decorridos da falência do pai. O Cientista precisa batalhar para conquistar o "pão" de cada dia.
Situação 6 - No mesmo período, o Cientista faz uma viagem aos Alpes e vê flores que se parecem com dentes de leão (as flores da Situação 1), cujo amarelo é o mesmo da Moça Campestre.
Situação 7 - A lembrança da Situação 1 começa a emergir. No entanto, a lembrança surge com detalhes e ênfases que intrigam o Cientista. Na sua recordação, o pão comido era extremamente delicioso, de um sabor prazeroso quase alucinatório. O destaque dado ao amarelo das flores também lhe chama a atenção.
A partir daqui, Freud passa a estabelecer pontos de contato entre as situações e busca demonstrar por que motivo essa lembrança ficou retida na memória do Cientista e por que ela surge com essas aparentes distorções. O Cientista, segundo Freud, possuía dois conjuntos de fantasias que representavam "a influência das duas mais poderosas forças motivacionais: a fome o amor".
Em uma dessas fantasias, o Cientista imaginava que sua vida era muito difícil em termos financeiros e que tudo teria sido mais fácil se tivesse ficado no campo. Isso o levou a associar o "pão" pelo qual precisava batalhar diariamente ao "pão" obtido facilmente na infância, no campo. Isso acentuou a lembrança do sabor do pão que comeu quando criança. Teria sido saboroso permanecer no campo, teria sido mais fácil se ele tivesse optado por uma profissão "pão com manteiga" (mais básica, objetiva, de empregabilidade mais certa), e por isso o pão da lembrança é idealizado e se apresenta tão saboroso. Essa idealização de uma vida mais fácil também retorna quando associa o amarelo das flores que vê nos Alpes (Situação 6, momento em que passa por dificuldades financeiras) à Moça Campestre e ao campo (Situação 3). Mas o Cientista também jogou fora a oportunidade de se casar com a Prima, o que também lhe teria proporcionado uma situação financeira melhor (Situação 4). Convém lembrar que, quando criança, foi o Cientista quem roubou as flores da Prima (Situação 1). Naquele momento ele também jogara fora algo relacionado à Prima. Daí também uma associação com o amarelo das flores. A força motivacional aqui é a fome, na definição proposta por Freud.
A outra fantasia diz respeito à outra força motivacional: amor.
O Cientista jogou fora as flores amarelas da Prima, quando criança. O ato, inicialmente inocente, pode ser interpretado por mentes adultas mais atentas, como uma metáfora de sentido sexual: roubar uma flor de uma moça é uma violência, como deflorar, tirar sua virgindade. O desejo sexual pela Moça Campestre se projetou e retroprojetou para a Prima (que foi simbolicamente deflorada pelo Cientista), uma vez que as duas mantêm a conexão, na mente do Cientista, com o campo. Vários elementos diferentes foram misturados.
Neste ponto, os textos "Lembranças Encobridoras" e "Sobre os Sonhos" também apresentam vários pontos em comum. Em "Sobre os Sonhos", Freud faz a distinção entre "sonho manifesto" (aquilo que o indivíduo efetivamente sonhou) e o "sonho latente" (aquilo que o sonho efetivamente quis dizer: o significado do sonho, que é decodificado via processo de análise). Os conteúdos latentes dos sonhos, em sua visão, são realizações de desejos. Em alguns casos, principalmente nas crianças, tais desejos surgem sem disfarces, enquanto na maioria das pessoas adultas tais desejos passam por um processo de deformação e se apresentam irreconhecíveis, absurdos, ininteligíveis para a mente do estado de vigília. Quando se trata do segundo caso, diz-se que houve o "trabalho do sonho", uma "deformação onírica" que transformou os conteúdos latentes no conteúdo manifesto.
No caso analisado em "Lembranças Encobridoras", vemos que as recordações de infância passam por um processo semelhante ao descrito em relação aos sonhos em "Sobre os Sonhos". Os conteúdos latentes do Cientista eram: 1) que bom seria se eu tivesse permanecido no campo e me casado com a Prima ou Moça Campestre, fazendo assim minha vida mais fácil em termos financeiros e 2) que vontade de ter sido menos tímido e ter tido relações sexuais com a Moça Campestre.
A deformação do latente (aquilo que o Cientista sentia) para o manifesto (aquilo do qual ele se lembra e, tal como um sonho, se transformou numa lembrança modificada) utiliza os seguintes mecanismos: condensação, deslocamento, figurabilidade e elaboração secundária. Farei a seguir, uma brevíssima síntese de tais processos.
Na condensação, o conteúdo manifesto apresenta-se em duração temporal muito menor, reduzida, do que o conteúdo latente. Cada elemento do sonho é sobredeterminado, ou seja, cada elemento do sonho leva a núcleos temáticos que vão se cruzando. No sonho, Fulano pode ser uma mistura do Sicrano A com Sicrano B. No caso do Cientista, "campo" se associou à Prima e à Moça Campestre; o amarelo desempenhou papel de ponte entre infância e presente, assim como o pão a ser batalhado e o pão delicioso do passado.
O deslocamento mostra que acontecimentos aparentemente banais são investidos de enorme energia psíquica. O Cientista pensava em fome e sexo, e investiu de força uma recordação trivial de infância que possuía os elementos necessários para que conexões e associações pudessem ser efetuadas inconscientemente. Como diz Freud em "Sobre os Sonhos", "o material psíquico dos pensamentos oníricos inclui, habitualmente, recordações de vivências marcantes __ não raro da primeira infância". O caso do Cientista mostra que a primeira infância serviu como elemento cristalizador de pensamentos oníricos.
Os dois outros processos, figurabilidade e elaboração secundária, acabam se misturando nesta transposição de conceitos da análise dos sonhos para a análise das lembranças do passado, ou "lembranças encobridoras". O inconsciente, no caso aqui discutido, utilizou imagens visuais já existentes na memória do Cientista para representar suas intenções latentes. Não foram representações surgidas do acaso, ou criadas ao acaso. Associações de cores, palavras e pessoas, além de metáforas substituídas por imagens e deslocamentos de afetos e energias psíquicas em diferentes momentos da vida do Cientista foram forças em atuação. Para Freud, o passado não é um fato selado: ele se transforma e adquire diferentes interpretações em diferentes momentos da vida de uma pessoa. Já a elaboração secundária fez o "trabalho final" de dar ênfase a certos aspectos dessa lembrança, como o sabor acentuado do pão e o amarelo vivo das flores.
O termo "lembranças encobridoras" já explicita a noção de que certas lembranças escondem algo. Essas lembranças encobridoras realizam tarefa semelhante à deformação onírica. Em determinados casos, há um desejo inconfessável e que causa grande agonia por parte de um indivíduo. É necessário que tal desejo se mantenha inconsciente, escondido. Uma enorme carga de repressão e energia é desprendida para exercer essa censura. Diz Freud, em "Lembranças Encobridoras", que "há fundamentos mais gerais que têm uma influência decisiva na promoção do deslizamento dos pensamentos e desejos recalcados para lembranças infantis (....) É como se a própria recordação do passado remoto fosse facilitada por algum motivo prazeroso: forsan et haec olim meminisse juvabit (talvez algum dia nos seja agradável recordar estas coisas)".
O Cientista tinha dois desejos recalcados (defloramento e conforto material), e ambos lhe causavam certa vergonha, angústia, e permaneceram inconscientes (até certo ponto). Houve, então, uma "formação de compromisso". O conteúdo recalcado precisou se tornar manifesto, mas sob uma negociação. Foi necessário uma deformação da apresentação dos desejos, para que não assustassem o Cientista, e para que "enganassem" sua censura inconsciente. Tais desejos usaram um disfarce, uma fantasia, para que pudessem se apresentar à consciência, sem causar danos ao Cientista, e para que pudessem ser liberados pela censura.
Para isso, conteúdos tão nitidamente adultos e sexuais buscaram elementos à disposição na memória do Cientista que fossem seu exato oposto, mas que ao mesmo tempo se encaixassem como representações e metáforas dos conteúdos latentes. A infância, e a noção de inocência a ela associada, serviram como corporificações, como representações de tais pensamentos "impuros". O inconsciente pegou o que estava mais próximo e à sua disposição para efetuar seus processos de deslocamento, condensação, figurabilidade e elaboração secundária. As Situações descritas mostram, em ordem cronológicas, como pontes foram sendo criadas entre um pensamento e outro e "coladas", entre uma associação e sua representação/substituição.
Com a deformação e a formação de compromisso, tais desejos que causariam enorme constrangimento ao Cientista em sua vida de vigília (ou consciente), puderam chegar à consciência, de forma disfarçada, sem causar angústia ao próprio e ao mesmo tempo satisfazendo sua censura e sua necessidade de exprimir tais pensamentos.
*Escrito por Bruno Yutaka Saito em 4/7/2015 como avaliação da disciplina Formações do Inconsciente na pós-graduação em Teoria Psicanalítica na PUC-SP
Tuesday, February 15, 2011
Um rei entre nós
Há sempre o filme que vemos na nossa frente, e aquele que criamos na nossa cabeça. Alguns filmes, apenas medianos, crescem enormemente quando imaginamos o que ele poderia ter sido, mas não foi. O Discurso do Rei, favorito ao Oscar deste ano, é um deles. É uma produção digna, com ótimos atores, bons diálogos etc. Sua intenção primordial foi mostrar uma excelente história que pedia para ser contada no cinema. Uma bela Sessão da Tarde, nada mais.
O drama se impõe: como ser rei, como ter a postura de um rei (e a voz de um, literalmente), num momento em que os governantes agora tinham que se expor mais do que nunca?
Por uma dessas coincidências inexplicáveis, um livro me caiu à mão dias depois de ver o filme. É Introdução a uma Verdadeira História do Cinema (ed. Martins Fontes, 1989), na verdade, a transcrição de uma série de palestras ministradas por Godard em 1978 em Montreal.
Nesses encontros, Godard fazia uma espécie de auto análise, terapia, em público. Durante a manhã, eram exibidos um filme seu e trechos de produções de outros cineastas que, de alguma maneira, serviram de referência para o diretor.
Na palestra em que o tema era o filme O Pequeno Soldado (1963), Godard dizia:
"O primeiro plano foi inventado pelo cinema. A história da estrela e do star system, que foi uma derivação do primeiro plano e depois repercutiu na política, já que a televisão é o principal suporte dos atores políticos...E, de resto, todos os políticos agem como atores, e também os atores atuam como pequenos políticos. E ligar essa história ao fascismo, por exemplo, em que Hitler utilizou isso de maneira bastante consciente. Não havia televisão, e ele se serviu imediatamente de sua voz e do rádio e, em seus meetings, de certo tipo de iluminação (....) Acho que as estrelas são muito interessantes, em determinados momentos, porque são uma espécie de fenômenos....como o câncer, uma espécie de proliferação da personalidade bastante simples de um indivíduo, que de repente se torna enorme"
A fruição de uma obra de arte é carregada de aspectos subjetivos. Mas, se inconscientemente, fiquei satisfeito com o resultado de O Discurso do Rei, o fato se deve mais a alguns temas abordados na superfície do que a uma visão condescendente.
O Discurso do Rei nos lembra da evolução do culto à personalidade. Nos primórdios, eram os quadros feitos pelos artistas mais destacados da época, bustos, esculturas, retratos impressos nas moedas. Imagens a lembrar os plebeus de que havia um Deus na Terra supremo a ser seguido, respeitado e venerado.
O filme com Colin Firth apresenta um momento em que essas figuras estáticas ganharam voz. Era um sentido a mais a ser usado na expressão do poder. O rádio chegava. Assim como no cinema. Imagens começaram a ganhar movimento. Mais tarde, ganhavam som, cores.
Os políticos precisam fazer de conta que estão entre nós. Que falam a nossa linguagem. Hoje eles estão nas redes sociais. Mas quem acredita que eles estão no Twitter, Facebook etc. por vontade própria? É apenas mais um instrumento a nos seduzir. Porque precisamos dessa ilusão de que somos representados por eles.
A ideia do filme é que a voz transmite a segurança, e que um rei sem essa voz, não é nada. É indigno da cumplicidade do povo. De certa forma, é como se ele precisasse aprimorar o seu exterior, ser mais um produto de marketing do que um real líder (não entro aqui na questão se ele era ou não). Mas Hitler, Fernando Collor e tantos outros políticos souberam se expressar verbalmente e fisicamente, e chegaram onde chegaram. Coitado do líder gago, do feioso. Coitado daquele que não sabe iludir e vender o seu peixe. Porque política, para alguns, é como cinema.
Monday, February 07, 2011
Vida de cinema
Christian Bale é o atual Batman, já foi o Psicopata Americano, embarcou no Exterminador do Futuro, já foi Operário, Sobrevivente, mas não importa. Sempre que vejo um filme com ele, acabo vendo aquele garotinho chato e mimado de "O Império do Sol" que, depois de tanto levar na cabeça, adquire uma incrível maturidade e braveza.
Talvez porque ali, naqueles olhos tristes, já estava a marca do grande ator que viria a se tornar, hoje favorito a levar o Oscar de coadjuvante por "O Vencedor". Talvez porque eu tenha visto o filme ainda criança, quase com a mesma idade dele na época. E porque desde aquele momento, Bale só iria fazer papéis esquisitos, desafiadores (claro, com alguns desvios de percurso aqui e ali). Mas quem é Bruce Wayne senão uma versão milionária do garotinho desgarrado dos pais de "Império do Sol"?
Bale comete exageros. Sua interpretação em "O Vencedor" é repleta daqueles contorcionismos que a Academia gosta. É na linha Robert De Niro de ser. Metamorfose física numa atuação expressionista. O personagem, Dicky Eklund,um ex-boxeador viciado em crack, pedia.
Mas ainda assim em Dicky, lá está Bale. O melancólico ator que se mistura ao triste personagem, sempre rodeado de "amigos" e familiares, ao mesmo tempo tão solitário e tão intenso que às vezes parece não dar conta de si.
Na mesma trilha, em caminho oposto, está Natalie Portman. Também começou no cinema criança, com a mesma idade de Bale, 13 anos. É a grande favorita ao Oscar.
"Cisne Negro" lida com certa imagem pública de Natalie. É a garota-prodígio, bela, que não comete deslizes. Perfeita nas atuações, moça bem-educada. Às vezes até chata de tão bem comportada.
Com os rostos conhecidos é assim. Dependendo da nossa idade e da idade dos atores, levamos uma vida paralela. Enquanto entramos na faculdade, lá estão eles fazendo um importante papel de adolescente no cinema. Quando conseguimos o primeiro emprego, lá estão ele sendo indicados pela primeira vez ao Oscar. Quando nos casamos, lá estão eles nas revistas de celebridades dando vexames e sendo flagrados bêbados.
Acompanhar a carreira de atores como Bale e Natalie, no cinema e fora dele, é uma espécie de reality show. E é aí que o cinema, e a competência do ator, se mostram poderosos. Porque, quando vemos um filme, não podemos ver o ator. Não podemos ver "ah, lá está Christian Bale interpretando fulano". Para um filme ser crível, é necessário abstrairmos, e vermos primeiro o personagem e, depois, o ator.
****
A família é o que move "Cisne Negro" e "O Vencedor". Por isso, mais interessante do que as cenas de treinos, é quando vemos Natalie e Bale em família. O relacionamento quase fantasmagórico de Natalie com a mãe, apesar de repetir elementos de filmes de terror, mais claramente "Carrie, a Estranha", repressão sexual etc. etc., é um dos mais bem resolvidos do filme.
Mas prefiro o "expressionismo realista" de "O Vencedor" ao expressionismo de butique do "Cisne Negro". Darren Aronofsky é daqueles cineastas que levanta muita poeira, adora chocar o espectador para deixar uma marca constante. Mas as dores que ele causa incomodam na hora. Após um tempo, sobra pouca coisa. Não por acaso, seu filme mais memorável, cuja dor permanece latente, é o seu mais realista, "O Lutador".
E o grande achado de "O Vencedor" são as irmãs e a mãe de Bale. Funcionam como um ente único, uma criatura só de várias pernas, braços e cabeças. Lembram aqueles desenhos animados tipo Smurfs, e, principalmente, aquela gang de mafiosos da Corrida Maluca. Pior é saber que criaturas assim funcionam na vida real, caricaturas ambulantes.
Em certo momento, a estética "tosca" de "O Vencedor" estava começando a me incomodar, mas quando o personagem de Bale assiste ao documentário sobre sua vida, tudo começa a fazer sentido. É a realidade-ficção dentro de um filme baseado em fatos reais. A simulação da verdade é a chave para se entender o cinema contemporâneo.
Sunday, January 30, 2011
Beleza sofrida
Seu amor te deixou? Perdeu o emprego? O médico deu uma notícia ruim? Seja qual for a desgraça, de tempos em tempos somos forçados a atuar como personagens de uma trama indesejada. Em momentos assim, o pensamento fica martelando, reverberando a má nova. Costumo relaxar um pouco quando entro numa sala de cinema, para entrar em outro mundo.
Muito tempo atrás um conhecido me recomendou a leitura de "Cartas Portuguesas", de Mariana Alcoforado, um dos "exemplos mais ardentes de amor desesperado da literatura internacional". Era para eu parar de sofrer um pouco por ter levado um fora de uma namorada e entender o que era o verdadeiro sofrimento. Para colocar meu martírio em perspectiva.
De forma um tanto inconsciente, fui ver "Biutiful" e "Um Lugar Qualquer", filmes que abordam formas bem distintas de encarar as dores do mundo.
Grosso modo, há quem divida os sofrimentos em dois modos. A forma burguesa e a forma proletária. O filme de Sofia Coppola representaria a primeira; o de Iñárritu, a segunda.
Nesse raciocínio estreito, limitado, diríamos que o sofrimento burguês é "coisa de gente que nunca lavou roupa no tanque". Coisa de gente mimada, que está reclamando de barriga cheia. E que o sofrimento proletário é o autêntico, justificável, aquele que realmente merece ser expresso e ouvido.
Assistindo a "Biutiful", vemos não uma ou duas, mas uma avalanche de desgraças a se abater sobre nosso herói, Javier Bardem. Ele tem câncer, apenas dois meses de vida, duas crianças pequenas para criar, nenhum tostão, vive às turras com a mulher bipolar, sobrevive de trambiques envolvendo chineses e africanos ilegais.
Desde "Amores Brutos" Iñárritu vem expondo as mazelas que recaem sobre os menos favorecidos, o destino que cai sobre nós de forma implacável. Mas tento entender o que sobra além da denúncia, do tratamento de choque. De forma bem explícita, "Biutiful" nos mostra o lado dos excluídos, que nem tudo é uma maravilha (desta vez, em Barcelona). Ao abordar o que há por trás da pirataria, por exemplo, parece propaganda institucional, aquelas que vêm antes dos filmes em DVDs originais e nos cinemas.
Na overdose de desgraças, "Biutiful" nos anestesia. O realismo exacerbado se torna tão insuportável que tudo se encaminha para o surreal; e o efeito é anulado.
Talvez um pouco como na vida, como quem busca atalhos (drogas, entrega obsessiva no trabalho etc.) para escapar da realidade difícil.
Não são poucos, no entanto, aqueles que têm acusado Sofia Coppola de ter feito um filme vazio, superficial. "Um Lugar Qualquer" seria apenas um lamento de uma pessoa bem nascida.
Vejo no minimalismo de "Um Lugar Qualquer" uma força que extrapola classes sociais.
Acompanhamos o tempo todo o personagem de Stephen Dorff. Sofia o filma apenas de fora, não entra na sua psicologia. Talvez porque Dorff, o personagem, seja vazio, não tenha realmente nada por dentro. Ou melhor, talvez ele tenha anulado o resto de humanidade que possuía antes de embarcar no universo dos bem de vida, dos milionários. Está sempre num estado adormecido, entorpecido, enrolado na cama.
O que ele tem para ensinar à filha? Ele é bom no quê? Até no Guitar Hero, parece não ser grandes coisas. É um herói de ação, às voltas com carros de luxo, helicópteros e mulheres, mas ele não age. É um herói de ação entalado numa vida/roteiro sem ação.
Observar a desação de "Um Lugar Qualquer" é um convite para olhar a si mesmo. Talvez daí o desconforto de alguns espectadores.
Não por acaso, a referência aos vampiros de "Crepúsculo". Dorff é uma espécie de vampiro que, ao ser mordido pela fama, deixou de viver. Não parei de pensar em pessoas como Marilyn Monroe ou Michael Jackson, ou mesmo Kurt Cobain. Celebridades que tiveram um começo de carreira sofrido e que, de alguma maneira, nunca conseguiram superar traumas do passado. Que, de certa forma, acabaram procurando o próprio fim precoce.
Existe um tipo de sofrimento mais "nobre" do que o outro? Na hora da dor, quanto mais por dentro da própria dor você estiver, não é possível pensar muito, e todos se igualam. Olhar de fora e criticar é fácil, como se você estivesse usando uma armadura protetora.
Saturday, January 29, 2011
Retorno
As coisas estão bem paradas por aqui, mas agora terei tempo. Finalmente.
Volte daqui a pouco. É aqui agora onde farei alguns escritos. Abraços
Volte daqui a pouco. É aqui agora onde farei alguns escritos. Abraços
Sunday, December 27, 2009
A Equipe de Natação
Curta que fiz com o Radji Schucman; a ideia veio de um conto da Miranda July, chamado "A Equipe de Natação".
Tuesday, October 13, 2009
Thursday, October 01, 2009
Sunday, September 21, 2008
Cabeça na porta

A única solução era fingir que nada tinha acontecido. Seguir andando, enfileirando justificativas na cabeça para seus atos, quem sabe talvez se pensasse muito, como se recitasse mentalmente uma oração, como quem deseja muito uma coisa e espera que essa coisa aconteça de tanto ser pensada, ele até acabasse esquecendo e acreditando que aquilo não fora nada. E que até era uma atitude necessária.
Um dia eu já não era mais adolescente, mas foi aí que me veio uma rebeldia tardia. Ela estava em mim há tempos, agora eu sei, incubando e cozinhando lá dentro, só esperando a hora para sair. Não sou o homem que você pensava, agora até chego a me orgulhar em te dizer, e você me diz espantada, ah, mas essa não é a pessoa que eu conheço faz anos, minha amiga me diz, você é doce, e eu digo que não importa quem eu seja, eu sempre serei a imagem que você tem de mim.
Não importa o que eu faça, eu não vou me construir. Para você eu sou só uma imagem, um molde ambulante, uma folha em branco para você depositar suas crenças e seus desejos. E eu não consigo mais sair desse vício, dessa brincadeira de jogar, porque eu digo coisas para impressionar, compro roupas desconfortáveis, mas que me caem tão bem, você diz, e preenchem e satisfazem a sua necessidade de apreciar a estética.
E você quer o belo, e você é romântica, e você não quer as coisas pequenas do dia-a-dia, porque o dia-a-dia é opressivo, e o dia-a-dia vai te matando aos poucos, vai diminuindo a distância entre você e o fim, e o dia-a-dia é assim, pouco a pouco, como a palavra es-cri-ta, vai-te-ma-tan-do-e-te-su-fo-can-do.
Quando vi que não importava mais tentar me construir, o meu outro saiu de dentro de mim. Hoje há um clone de mim nas ruas, e ele se apresenta com meu nome, mas sei que não é mau agouro. Conversamos às vezes, saímos para tomar café. No começo, evitávamos lugares públicos. Hoje, quando encontro conhecidos, apenas o apresento como um irmão gêmeo. Como assim, nós vivemos tanto tempo juntos, e você nunca mencionou que tinha um irmão? É que eu tinha esquecido, ele ficou tanto tempo morando fora, tento explicar.
O que sei é que as pessoas andam me estranhando. Trato mal quem tenta se apoiar em mim, não tenho tempo para incertezas, não venha jogar a sua insegurança em mim. Sei que você precisa da minha mão estendida, mas ela vive agora dentro do meu bolso. Não pense que me orgulho. As coisas apenas são.
Um dia eu já não era mais adolescente, mas foi aí que me veio uma rebeldia tardia. Ela estava em mim há tempos, agora eu sei, incubando e cozinhando lá dentro, só esperando a hora para sair. Não sou o homem que você pensava, agora até chego a me orgulhar em te dizer, e você me diz espantada, ah, mas essa não é a pessoa que eu conheço faz anos, minha amiga me diz, você é doce, e eu digo que não importa quem eu seja, eu sempre serei a imagem que você tem de mim.
Não importa o que eu faça, eu não vou me construir. Para você eu sou só uma imagem, um molde ambulante, uma folha em branco para você depositar suas crenças e seus desejos. E eu não consigo mais sair desse vício, dessa brincadeira de jogar, porque eu digo coisas para impressionar, compro roupas desconfortáveis, mas que me caem tão bem, você diz, e preenchem e satisfazem a sua necessidade de apreciar a estética.
E você quer o belo, e você é romântica, e você não quer as coisas pequenas do dia-a-dia, porque o dia-a-dia é opressivo, e o dia-a-dia vai te matando aos poucos, vai diminuindo a distância entre você e o fim, e o dia-a-dia é assim, pouco a pouco, como a palavra es-cri-ta, vai-te-ma-tan-do-e-te-su-fo-can-do.
Quando vi que não importava mais tentar me construir, o meu outro saiu de dentro de mim. Hoje há um clone de mim nas ruas, e ele se apresenta com meu nome, mas sei que não é mau agouro. Conversamos às vezes, saímos para tomar café. No começo, evitávamos lugares públicos. Hoje, quando encontro conhecidos, apenas o apresento como um irmão gêmeo. Como assim, nós vivemos tanto tempo juntos, e você nunca mencionou que tinha um irmão? É que eu tinha esquecido, ele ficou tanto tempo morando fora, tento explicar.
O que sei é que as pessoas andam me estranhando. Trato mal quem tenta se apoiar em mim, não tenho tempo para incertezas, não venha jogar a sua insegurança em mim. Sei que você precisa da minha mão estendida, mas ela vive agora dentro do meu bolso. Não pense que me orgulho. As coisas apenas são.
Monday, September 01, 2008
Quando acaba

Eu vou descobrir um dia.
No último dia do mês, tirou o calendário da parede e colocou sobre a mesa 30 momentos de memórias passadas. Lembretes, contas mal pagas, encontros sem fim, em letras tremidas e resumidas, carregando o saudável desconhecimento do que estava por vir.
Mas agora ele sabe. A prova de pequenos fracassos e felicidades que quase não cabem em pequenos quadradinhos ao redor de números é a sua leitura necessária às vésperas do começo de um novo mês.
Pois ele gosta de acreditar que a vida existe em ciclos e que, na renovação, uma nova chance surge, mais 30 e poucos quadradinhos brancos, prontos para serem preenchidos, tentando não tremer na hora de definir o imprevisto. Na ânsia por um recomeço, já dava por terminado o dia que apenas começava e virou a folha e pendurou um novo mês na parede.
Não sei como começar.
Ele tinha pressa.
E tinha medo. Porque ele se lembra demais, e novas informações não são permitidas, elas sempre ficam fora da sala. Ele está ocupado demais com tudo que já sabe, era daquelas crianças que só gostavam de ver filmes repetidos, e ficava aguardando com ansiedade por aquela parte que já sabia o que iria acontecer, como se fosse um pequeno Deus, a tirar as palavras da boca do gato e do rato, a saber o tombo, a saber sobre o futuro, um pequeno poder que seja, uma pequena ilusão, por favor, nem que seja por alguns instantes. Preciso iludir a mim mesmo novamente.
E o que farei quando a reencontrar?, já que, a essa altura, ela não deve ser mais ela, muitas coisas aconteceram, 30 e poucos quadradinhos dão um bocado de trabalho, e quando eu a vir, vou enxergar aquela adorável silhueta, e vou tentar me reconectar, e tentarei reconectá-la naquele molde confortável que já conheço, mas que já é tão verão passado, tão 10 de setembro, torres inalcançáveis -éramos felizes antes do desastre e não sabíamos-, mas essa será minha referência, e minha senha
para a minha frustração.
E tentarei sorrir velhos sorrisos, e fazer com que a piada contada pela segunda vez tenha graça e uma surpresa arranjada, mas não somos mais crianças para esperar o rato morder o gato novamente, e sem torcida, eu serei apenas um tolo a carregar tantas memórias vencidas. Hoje ela é apenas a imagem que eu tenho dela, e isso me assusta um tanto.
Quero descobrir um dia.
Sunday, October 14, 2007
Cama

Acordou bem tarde no domingo. A culpa, o medo de morrer e aquela vontade de ser tão responsável já não faziam mais sentido para ela. Mas a cabeça ainda doía. E o sorriso não vinha, e nem a vontade de levantar da cama, e nem a vontade de se recompor e voltar a ser gente. Porque naquele estágio ela não se sentia gente. Só se sentiria gente novamente quando se levantasse enfim, fosse ao banheiro, aliviasse a bexiga que já doía, lavasse o rosto e passasse uma água no cabelo. Ela dormiu de maquiagem. Em outros tempos, ela se acharia no fundo do poço. Tinha vontade mesmo era de beber água. Vontade de se purificar? A culpa cristã escondidinha, lá no fundo, e ela tentava jogar água fria em cima dessa danada. Agora já era tarde, a cama já estava contaminada com tanto cheiro de cigarro e de noite e de pessoas que ela conheceu na noite passada. E aquela cama, que em outros tempos era tão cheirosa, e que tinha apenas dois cheiros, agora era um depósito de cabelos e pêlos dos mais diferentes tipos, das mais variadas cores, dos mais variados sexos, e das mais diferentes espessuras. A bexiga estava apertada, a vontade de água era grande, mas tudo que ela conseguia fazer era procurar os mínimos vestígios daquele que ela tanto amou um dia, que foi embora e deixou apenas pequeninas lembranças hoje perdidas naquela enorme e democrática cama que nunca dizia não.
Tuesday, September 25, 2007
Amor adora arte (e uma dancinha)

Ele e ela estão no museu.
Ele: É um lindo Jackson Pollock, não?
Ela: Sim, é.
Ele: O que esse quadro representa pra você?
Ela: Ele reafirma a negatividade do universo. O horroroso e solitário vazio da existência. O Nada. A difícil situação do Homem forçado a viver em uma eternidade estéril, sem Deus, como uma pequena chama tremulando num imenso vazio com nada além de dejetos, horror e degradação, formando uma inútil e fria camisa-de-força em um cosmos sombrio e absurdo.
Ele: O que você vai fazer no sábado à noite?
Ela: Cometer suicídio.
Ele: E na sexta?
Eu simplesmente adoro esse diálogo. Sempre que vejo, fico rindo que nem um idiota, como uma foca batendo palmas querendo receber mais sardinhas (tá, eu confesso que nunca vi uma foca batendo palmas, mas acho que você entende o que quero dizer, não?).
Essa é uma cena de “Sonhos de um Sedutor”, que no original se chama “Play It Again, Sam”, referência a “Casablanca”, claro. Não é dirigido pelo Woody Allen, mas é praticamente um filme dele. No filme, ele está desesperado atrás de mulheres, sofredor incorrigível (que pleonasmo!) e ninguém menos que Humphrey Bogart é seu consultor amoroso.
E lá vai nosso sofrido Woody Allen, encorajado por um casal de amigos, a paquerar em um museu. Ele vê a moça meio dark, existencialista fatal, e cola nela. E daí se segue esse diálogo inesquecível.
Eu adoro museus. De arte moderna, de preferência. Amo aquelas obras que os Manés falam: “Dãããããã, isso eu também sei fazer”. Amo coisas conceituais, que “qualquer um pode fazer, até meu filho de 5 anos”. Acho que é porque gosto de pessoas conceituais também....Deve ser um lugar ótimo de se paquerar. Moças interessantíssimas vão sozinhas. Moços lindos estão por ali. E sempre dá aquela sensação idiota de que todos, já que estão ali, são inteligentes. Mas que besteira! Pessoas inteligentes cansam às vezes, não? Sempre tem algum estudante ensebado, mas sempre também aquelas pessoas especiais, que batemos o olho e na hora sabemos que tem algo especial. Linda adora arte, já cantava Scandurra (você já ouviu “Amor em B.D.”, do disco “Amigos Invisíveis”? Ouça agora. Linda adora arte)
O fato é que a gente procura pessoas especiais, quando as pessoas especiais não estão por perto. Quer dizer, às vezes, elas estão do nosso lado, mas não conseguimos ver. Claro, tudo é perdoável, somos cegos por opção. Mas já que não conseguimos ver, vamos procurar em outros lugares, procuramos pessoas especiais em lugares especiais.
Não me esqueço de quando eu tinha uns 18 anos e tava voltando do ensaio da minha banda, quando eu tentava ter banda. O vocalista quis parar num Habib’s (tãããão 18 anos isso), comprar umas esfihas, era baratinho (tãããão 18 anos, nunca temos dinheiro pra nada) e, na fila, ele encontrou a menina dos sonhos dele. Ao menos fisicamente, claro. Mas é assim aos 18, não? Daí que ele foi lá, falar com a menina, jogou qualquer papo bobo. E ela só se limitou a torcer o nariz e dizer: “Ai, você tá me paquerando aqui na fila do Habib’s?”.
Na hora achei a menina de uma nojentice só. Chata, arrogante, metida. Até hoje continuo (hahaha) achando, mas tudo bem, agora eu entendo ela. Fila do Habib’s não é um lugar especial pra achar alguém especial, né? Mas que ela foi uma chata, ela foi. Imagina que lindo se eles tivessem ficado, e eles pudessem contar, aos risos, pros netinhos: “Sabe onde o vovô e a vovô se conheceram? Num lugar super tosco, onde serviam esfihas ensebadas!”.
E sempre lembro também de uma mulher que trabalha com minha mãe que ficou casada há uns 20 anos com um cara que ela conheceu no.....Metrô. Ela tava sentada naqueles bancos da plataforma, esperando o trem chegar, e o carinha achou ela bonita, sentou do lado e colou nela. Colou tanto que se casaram.
Eu acho que não tem lugar pra nada. Pode ser em qualquer lugar. O problema é a hora. Pode ser o melhor lugar do mundo, mas se não for a hora, pra ele ou pra ela, não vai rolar. Saco! Lugar a gente muda. Hora não dá pra voltar, ir pra frente, pra trás.... Sorte que sou capricorniano, tenho a maior paciência do mundo.
Por que ter paciência faz bem. Claro, não dá pra se acomodar. Numa coisa eu acredito. Gente desesperada só atrai gente desesperada. E gente desesperada fica legal só no “Lost”. Desesperada por um namorado, namorada, trepada, dormir de conchinha, ligar no dia seguinte, fugir no dia seguinte, andar de mãos dadas, dizer que tá com saudade, dar presente, levar pra jantar, séxu, séxu e mais séxu, e beijinhos na boca, desesperados por dar vazão à tanto amor, que nem rosto tem. Pros desesperados, qualquer rosto serve. Tô fora.
O fato é que as coisas fogem do tempo. Quando você está solteiro, sozinho, e não tá deprê, nem nada, quando tudo está Ok com vc, auto-estima lá nas alturas, curtindo uma solidão opcional (que é quebrada a qualquer instante, é só ligar para um amigo aqui, uma amiga ali, e abrir aquela garrafa de vinho lá em casa, ou sair pra dançar e dar risadas numa noite qualquer, e falar bobagens até de madrugada, e ficar de queixo doendo, e sem fôlego de tanto rir), você começa a se tornar brilhante. Sim, você brilha demais. Você fica bonita (bonito demais). Fica interessante demais. Todos olham pra você. E, desesperados ou não, ninguém vai te deixar em paz. Você é bom demais pra estar sozinho. E daí, quando você vê, você perdeu sua querida solidão. E ganha uma querida pessoa ao seu lado. E, oh, não, tudo começa de novo! Eba!
Ele: É um lindo Jackson Pollock, não?
Ela: Sim, é.
Ele: O que esse quadro representa pra você?
Ela: Ele reafirma a negatividade do universo. O horroroso e solitário vazio da existência. O Nada. A difícil situação do Homem forçado a viver em uma eternidade estéril, sem Deus, como uma pequena chama tremulando num imenso vazio com nada além de dejetos, horror e degradação, formando uma inútil e fria camisa-de-força em um cosmos sombrio e absurdo.
Ele: O que você vai fazer no sábado à noite?
Ela: Cometer suicídio.
Ele: E na sexta?
Eu simplesmente adoro esse diálogo. Sempre que vejo, fico rindo que nem um idiota, como uma foca batendo palmas querendo receber mais sardinhas (tá, eu confesso que nunca vi uma foca batendo palmas, mas acho que você entende o que quero dizer, não?).
Essa é uma cena de “Sonhos de um Sedutor”, que no original se chama “Play It Again, Sam”, referência a “Casablanca”, claro. Não é dirigido pelo Woody Allen, mas é praticamente um filme dele. No filme, ele está desesperado atrás de mulheres, sofredor incorrigível (que pleonasmo!) e ninguém menos que Humphrey Bogart é seu consultor amoroso.
E lá vai nosso sofrido Woody Allen, encorajado por um casal de amigos, a paquerar em um museu. Ele vê a moça meio dark, existencialista fatal, e cola nela. E daí se segue esse diálogo inesquecível.
Eu adoro museus. De arte moderna, de preferência. Amo aquelas obras que os Manés falam: “Dãããããã, isso eu também sei fazer”. Amo coisas conceituais, que “qualquer um pode fazer, até meu filho de 5 anos”. Acho que é porque gosto de pessoas conceituais também....Deve ser um lugar ótimo de se paquerar. Moças interessantíssimas vão sozinhas. Moços lindos estão por ali. E sempre dá aquela sensação idiota de que todos, já que estão ali, são inteligentes. Mas que besteira! Pessoas inteligentes cansam às vezes, não? Sempre tem algum estudante ensebado, mas sempre também aquelas pessoas especiais, que batemos o olho e na hora sabemos que tem algo especial. Linda adora arte, já cantava Scandurra (você já ouviu “Amor em B.D.”, do disco “Amigos Invisíveis”? Ouça agora. Linda adora arte)
O fato é que a gente procura pessoas especiais, quando as pessoas especiais não estão por perto. Quer dizer, às vezes, elas estão do nosso lado, mas não conseguimos ver. Claro, tudo é perdoável, somos cegos por opção. Mas já que não conseguimos ver, vamos procurar em outros lugares, procuramos pessoas especiais em lugares especiais.
Não me esqueço de quando eu tinha uns 18 anos e tava voltando do ensaio da minha banda, quando eu tentava ter banda. O vocalista quis parar num Habib’s (tãããão 18 anos isso), comprar umas esfihas, era baratinho (tãããão 18 anos, nunca temos dinheiro pra nada) e, na fila, ele encontrou a menina dos sonhos dele. Ao menos fisicamente, claro. Mas é assim aos 18, não? Daí que ele foi lá, falar com a menina, jogou qualquer papo bobo. E ela só se limitou a torcer o nariz e dizer: “Ai, você tá me paquerando aqui na fila do Habib’s?”.
Na hora achei a menina de uma nojentice só. Chata, arrogante, metida. Até hoje continuo (hahaha) achando, mas tudo bem, agora eu entendo ela. Fila do Habib’s não é um lugar especial pra achar alguém especial, né? Mas que ela foi uma chata, ela foi. Imagina que lindo se eles tivessem ficado, e eles pudessem contar, aos risos, pros netinhos: “Sabe onde o vovô e a vovô se conheceram? Num lugar super tosco, onde serviam esfihas ensebadas!”.
E sempre lembro também de uma mulher que trabalha com minha mãe que ficou casada há uns 20 anos com um cara que ela conheceu no.....Metrô. Ela tava sentada naqueles bancos da plataforma, esperando o trem chegar, e o carinha achou ela bonita, sentou do lado e colou nela. Colou tanto que se casaram.
Eu acho que não tem lugar pra nada. Pode ser em qualquer lugar. O problema é a hora. Pode ser o melhor lugar do mundo, mas se não for a hora, pra ele ou pra ela, não vai rolar. Saco! Lugar a gente muda. Hora não dá pra voltar, ir pra frente, pra trás.... Sorte que sou capricorniano, tenho a maior paciência do mundo.
Por que ter paciência faz bem. Claro, não dá pra se acomodar. Numa coisa eu acredito. Gente desesperada só atrai gente desesperada. E gente desesperada fica legal só no “Lost”. Desesperada por um namorado, namorada, trepada, dormir de conchinha, ligar no dia seguinte, fugir no dia seguinte, andar de mãos dadas, dizer que tá com saudade, dar presente, levar pra jantar, séxu, séxu e mais séxu, e beijinhos na boca, desesperados por dar vazão à tanto amor, que nem rosto tem. Pros desesperados, qualquer rosto serve. Tô fora.
O fato é que as coisas fogem do tempo. Quando você está solteiro, sozinho, e não tá deprê, nem nada, quando tudo está Ok com vc, auto-estima lá nas alturas, curtindo uma solidão opcional (que é quebrada a qualquer instante, é só ligar para um amigo aqui, uma amiga ali, e abrir aquela garrafa de vinho lá em casa, ou sair pra dançar e dar risadas numa noite qualquer, e falar bobagens até de madrugada, e ficar de queixo doendo, e sem fôlego de tanto rir), você começa a se tornar brilhante. Sim, você brilha demais. Você fica bonita (bonito demais). Fica interessante demais. Todos olham pra você. E, desesperados ou não, ninguém vai te deixar em paz. Você é bom demais pra estar sozinho. E daí, quando você vê, você perdeu sua querida solidão. E ganha uma querida pessoa ao seu lado. E, oh, não, tudo começa de novo! Eba!
Sunday, September 16, 2007
I am a freak
A Nina tava me falando que só aparece maluco na vida dela. Mas que ela gostava de malucos, porque, no fundo, nós também somos malucos. Discordei. Eu disse que não era maluco. É sim, ela disse. Você é maluco também. A diferença é que somos malucos do bem. Tá. I am a freak. Quero beber menos para, nos momentos importantes, não estragar tudo. Outra diferença é que, para o maluco do bem, um tempo depois, tudo é motivo de risadas.
Saturday, September 15, 2007
Música me faz perder o controle
Tem música pra dançar, pra chorar, pra balançar os ossos. Música me faz perder o controle. Assim que é bom. Quem vai ser eu mesmo, se eu não for eu mesmo?
Tuesday, September 11, 2007
É tarde demais?
O tempo passa rápido demais, as coisas vão acontecendo, e às vezes eu sou tão devagar quanto uma tartaruguinha manca. E, aí, já aconteceu. E deixo de falar as coisas que importam, deixo de falar o quanto gostei de você. Mas daí já foi. A memória fica latejando, me relembrando, e quando tento falar o que não foi dito, você já não é a mesma.
Dos tempos do estado
Há uns cinco anos eu só tava lendo Caio Fernando Abreu. Devo ter lido tudo, eu estava monotemático. Meus amigos não aguentavam mais eu falando dele. Mas passou. Agora só tô lendo o Haruki Murakami (valeu, Simone).
Por isso não acreditei quando a Nina me contou que o Caio é supermoda nos fotologs. E lembrei que vivo tentando contar esse conto para o Edu, porque vamos almoçar só lá pelas 3 da tarde todos os dias, e já tão cansados e tão famintos, e rindo para acabar com a rabujentice que volta e meia ameaça aparecer. Acho que ele me entende. É um conto do Caio quando ele fazia crônicas no Estadão. E fiquei com saudades do tempo em que eu trabalhava lá, escrevendo no Zap!, que nem existe mais.
Passou, passou.
Mas dá uma lida.
Deus é naja (texto do Caio Fernando Abreu)
Tenho um amigo, cujo nome, por muitas razões, não posso dizer, conhecido como o mais dark. Dark no visual, dark nas emoções, dark nas palavras: darkésimo. Não nos conhecemos há muito tempo, mas imagino que, quando ainda não havia darks, ele já era dark. Do alto de sua darkice futurista, devia olhar com soberano desprezo para aquela extensa legião de paz e amor, trocando flores, vestida de branco e cheia de esperança.
Pode parecer ilógico, mas o mais dark dos meus amigos é também uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Rio sem parar do humor dele –humor dark, claro. Outro dia esperávamos um elevador, exaustos no fim da tarde, quando de repente ele revirou os olhos, encostou a cabeça na parede, suspirou bem fundo e soltou esta: -“Ai, meu Deus, minha única esperança é que uma jamanta passe por cima de mim...” Descemos o elevador rindo feito hienas.
Devíamos ter ido embora, mas foi num daqueles dias gelados, propícios aos conhaques e às abobrinhas. Tomamos um conhaque no bar. E imaginamos uma história assim: você anda só, cheio de tristeza, desamado, duro, sem fé nem futuro. Aí você liga para o Jamanta Express e pede: -“Por favor, preciso de uma jamanta às 20h15, na esquina da rua tal com tal. O cheque vai estar no bolso esquerdo da calça”. Às 20h14, na tal esquina (uma ótima esquina é a Franca com a Haddock Lobo, que tem aquela descidona), você olha para esquina de cima. E lá está - maravilha!- parada uma enorme jamanta reluzente, soltando fogo pelas ventas que nem um dragão de história infantil. O motorista espia pela janela, olha para você e levanta o polegar. Você levanta o polegar: tudo bem. E começa a atravessar a rua. A jamanta arranca a mil, pneus guinchando no asfalto. Pronto: acabou. Um fio de sangue escorrendo pelo queixo, a vítima geme suas últimas palavras: -"Morro feliz. Era tudo que eu queria..."
Dia seguinte, meu amigo dark contou: - "Tive um sonho lindo. Imagina só, uma jamanta toda dourada..." Rimos até ficar com dor na barriga. E eu lembrei dum poema antigo de Drummond. Aquele Consolo na Praia, sabe qual? "Vamos não chores / A infância está perdida/ A mocidade está perdida/ Mas a vida não se perdeu" - ele começa, antes de enumerar as perdas irreparáveis: perdeste o amigo, perdeste o amor, não tens nada além da mágoa e solidão. E quando o desejo da jamanta ameaça invadir o poema - Drummond, o Carlos, pergunta: "Mas, e o humour?" Porque esse talvez seja o único remédio quando ameaça doer demais: invente uma boa abobrinha e ria, feito louco, feito idiota, ria até que o que parece trágico perca o sentido e fique tão ridículo que só sobra mesmo a vontade de dar uma boa gargalhada. Dark, qual o problema?
Deus é naja - descobrimos outro dia.
O mais dark dos meus amigos tem esse poder, esse condão. E isso que ele anda numa fase problemática. Problemas darks, evidentemente. Naja ou não, Deus (ou Diabo?) guarde sua capacidade de rir descontroladamente de tudo. Eu, às vezes, só às vezes, também consigo. Ultimamente, quase não. Porque também me acontece - como pode estar acontecendo a você que quem sabe me lê agora - de achar que tudo isso talvez não tenha a menor graça. Pode ser: Deus é naja, nunca esqueça, baby.
Segure seu humor. Seguro o meu, mesmo dark: vou dormir profundamente e sonhar com uma jamanta. A mil por hora.
O Estado de S. Paulo, 15/07/86
Por isso não acreditei quando a Nina me contou que o Caio é supermoda nos fotologs. E lembrei que vivo tentando contar esse conto para o Edu, porque vamos almoçar só lá pelas 3 da tarde todos os dias, e já tão cansados e tão famintos, e rindo para acabar com a rabujentice que volta e meia ameaça aparecer. Acho que ele me entende. É um conto do Caio quando ele fazia crônicas no Estadão. E fiquei com saudades do tempo em que eu trabalhava lá, escrevendo no Zap!, que nem existe mais.
Passou, passou.
Mas dá uma lida.
Deus é naja (texto do Caio Fernando Abreu)
Tenho um amigo, cujo nome, por muitas razões, não posso dizer, conhecido como o mais dark. Dark no visual, dark nas emoções, dark nas palavras: darkésimo. Não nos conhecemos há muito tempo, mas imagino que, quando ainda não havia darks, ele já era dark. Do alto de sua darkice futurista, devia olhar com soberano desprezo para aquela extensa legião de paz e amor, trocando flores, vestida de branco e cheia de esperança.
Pode parecer ilógico, mas o mais dark dos meus amigos é também uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Rio sem parar do humor dele –humor dark, claro. Outro dia esperávamos um elevador, exaustos no fim da tarde, quando de repente ele revirou os olhos, encostou a cabeça na parede, suspirou bem fundo e soltou esta: -“Ai, meu Deus, minha única esperança é que uma jamanta passe por cima de mim...” Descemos o elevador rindo feito hienas.
Devíamos ter ido embora, mas foi num daqueles dias gelados, propícios aos conhaques e às abobrinhas. Tomamos um conhaque no bar. E imaginamos uma história assim: você anda só, cheio de tristeza, desamado, duro, sem fé nem futuro. Aí você liga para o Jamanta Express e pede: -“Por favor, preciso de uma jamanta às 20h15, na esquina da rua tal com tal. O cheque vai estar no bolso esquerdo da calça”. Às 20h14, na tal esquina (uma ótima esquina é a Franca com a Haddock Lobo, que tem aquela descidona), você olha para esquina de cima. E lá está - maravilha!- parada uma enorme jamanta reluzente, soltando fogo pelas ventas que nem um dragão de história infantil. O motorista espia pela janela, olha para você e levanta o polegar. Você levanta o polegar: tudo bem. E começa a atravessar a rua. A jamanta arranca a mil, pneus guinchando no asfalto. Pronto: acabou. Um fio de sangue escorrendo pelo queixo, a vítima geme suas últimas palavras: -"Morro feliz. Era tudo que eu queria..."
Dia seguinte, meu amigo dark contou: - "Tive um sonho lindo. Imagina só, uma jamanta toda dourada..." Rimos até ficar com dor na barriga. E eu lembrei dum poema antigo de Drummond. Aquele Consolo na Praia, sabe qual? "Vamos não chores / A infância está perdida/ A mocidade está perdida/ Mas a vida não se perdeu" - ele começa, antes de enumerar as perdas irreparáveis: perdeste o amigo, perdeste o amor, não tens nada além da mágoa e solidão. E quando o desejo da jamanta ameaça invadir o poema - Drummond, o Carlos, pergunta: "Mas, e o humour?" Porque esse talvez seja o único remédio quando ameaça doer demais: invente uma boa abobrinha e ria, feito louco, feito idiota, ria até que o que parece trágico perca o sentido e fique tão ridículo que só sobra mesmo a vontade de dar uma boa gargalhada. Dark, qual o problema?
Deus é naja - descobrimos outro dia.
O mais dark dos meus amigos tem esse poder, esse condão. E isso que ele anda numa fase problemática. Problemas darks, evidentemente. Naja ou não, Deus (ou Diabo?) guarde sua capacidade de rir descontroladamente de tudo. Eu, às vezes, só às vezes, também consigo. Ultimamente, quase não. Porque também me acontece - como pode estar acontecendo a você que quem sabe me lê agora - de achar que tudo isso talvez não tenha a menor graça. Pode ser: Deus é naja, nunca esqueça, baby.
Segure seu humor. Seguro o meu, mesmo dark: vou dormir profundamente e sonhar com uma jamanta. A mil por hora.
O Estado de S. Paulo, 15/07/86
Sunday, September 09, 2007
Feeling good - nina simone
Se um alienígena me perguntasse o que significa viajar, eu pediria para ele ouvir essa música.
Pocket films for travelers
Foto de Juliana Mundim

Tentar explicar por que viajar é algo tão necessário às nossas vidas é que nem tentar explicar o que é o azul. Ou tentar explicar por que é gostoso comer aquele doce. Ou por que é tão bom beijar aquela pessoa especial. Você encontra mil respostas racionais, mas essas serão apenas representações incompletas de experiências tão particulares.
Mas eu viajo pouco. Não sou um traveler como a Juliana. Tá, ela é uma amigona, e vale lembrar que best friend a gente só tem um, mas isso não invalida a minha dica.
Ela tem um projeto absurdo, que você TEM que conhecer, caso você realmente goste de viajar. Vai lá: http://www.pocketfilmsfortravelers.com . E quando digo viajar, não estou me referindo a você, que gosta de ir ao país estrangeiro para correr às lojas de bugigangas, ou que saca desesperadamente sua máquina em pontos turísticos, e se esquece de apreciar a paisagem. Se você for, nada contra também. Faz parte.
Mas estou falando de outro tipo de traveler, aquele que encara a viagem como uma busca pela identidade. Uma busca existencial. Eu tinha um amigo que sempre citava aquela frase, “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, e não de novas paisagens”. Eu prefiro pensar de outra maneira: “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, em novas paisagens”.
Acho que é isso que me fascina tanto e ao mesmo tempo me assusta nas viagens. E é isso que eu vejo a Ju captando tão bem no Pocket Films. Perca um bom tempo navegando lá. Tire um dia, uma tarde, uma noite, para fuçar cada cantinho do site. A Ju é uma traveler que já rodou o mundo várias vezes. É o projeto de uma vida. Em cada país que ela vai, ela coleta imagens, que aparecem em forma de fotos e vídeos no site. O Pocket Films é como se fosse um longo filme. E cada pedacinho do site faz parte dessa trama.
Mas, mais do que isso, ela vai captando estados de espírito. Ela vai deixando por ali músicas, desenhos e textos de uma poesia que consegue expressar aquela melancolia gostosa que sentimos quando viajamos. Você fica feliz de ver tanta coisa nova e bonita, e fica triste porque queria fazer parte de tudo aquilo, mas você não faz parte, e você vê como o mundão é tão grande, e você começa a lembrar de todos os seus pequenos problemas que ficaram lá para trás, mas não tanto para trás, porque um dia você tem que voltar.
Tudo é subjetivo na viagem. Se um alienígena me perguntasse o que é viajar, eu diria para ele escutar “Feeling Good”, da Nina Simone (lá em cima tem a música se você quiser ouvir).
O Pocket Films é meio isso. Ele dá essa sensação de arrebatamento, algo voraz. Quando você viaja, você deixa de ser um pouco você mesmo. Dá um alívio enorme às vezes, mas dá um pânico também. Viajar te coloca em perspectiva: você vê o quanto você é pequeno, ao mesmo tempo que reforça a sua individualidade e seu poder interior.
Te faz ver o quanto o que você acredita, o que você é, o que você pensa, é apenas uma opção possível. Te faz sentir criança de novo, já que quando você está num país estrangeiro, tudo é novo para você. Você consegue ver as coisas com novos olhos. Pânico e prazer de novo: não é fantástico chegar num país onde você não consegue entender um “a” do que estão falando, e onde você não consegue entender o que está escrito nas placas de trânsito? É um exercício enorme de humildade, e acho que todos precisam ser humildes no mínimo de vez em quando, se tornar um completo analfabeto em terras estrangeiras.
Você se sente criança de novo, e é como quando transamos com alguém querido, e nos entregamos sem vergonhas à brincadeiras particulares.
Não sei dizer se você volta mais sábio de uma viagem. Sim, temos sempre que voltar, sempre saímos de um ponto para outro. Senão, dizem, perdemos as referências, piramos um pouco, quando não temos raízes. No fundo é medo de você não ser mais você mesmo, e você perder uma das poucas certezas na vida: quem sou eu?
Eu tenho alguns favoritos no Pocket Films. Vai lá no Japão. Tem o vídeo Carol and the Dancing Scketch Book. Esse representa bem essa coisa que eu falei de se sentir criança, da beleza dessa idéia de pureza e sentidos virgens. Tem o Handome Man on a Windy Day: nesse, pra mim, vem essa sensação de melancolia bonita. Suportável portanto, mas que não deixa de apertar o peito.
Lá na seção Nova York, ouça os Podcasts com as músicas que a Ju selecionou. Tem o I Really wish we could hang out more (adoro esse nome!), e se a ficha não caiu, experimente ir um dia a Nova York e fazer um clássico na cidade: sair andando sozinho pelas ruas, com o iPod no ouvido. E sem medo de ser assaltado. Depois de andar por Manhattan de ponta a ponta, vá ao Brooklyn e passe o dia lá. Não tem turistas por ali. Como a Ju mesma diz, imagine se um bairro inteiro fosse como a Torre de quinta (isso no tempo em que a Torre de quinta era um pouquinho menos decadente, claro).
Ah, não deixe de passar pelo Cambódia. Lá você vai descobrir que os dinossauros sumiram da face da Terra não por causa de um meteorito que veio parar por aqui, mas sim porque eles estavam deprimidos, se sentindo muito solitários.
Depois me diz o que você achou do Pocket Films. I really wish we could hang out more.

Tentar explicar por que viajar é algo tão necessário às nossas vidas é que nem tentar explicar o que é o azul. Ou tentar explicar por que é gostoso comer aquele doce. Ou por que é tão bom beijar aquela pessoa especial. Você encontra mil respostas racionais, mas essas serão apenas representações incompletas de experiências tão particulares.
Mas eu viajo pouco. Não sou um traveler como a Juliana. Tá, ela é uma amigona, e vale lembrar que best friend a gente só tem um, mas isso não invalida a minha dica.
Ela tem um projeto absurdo, que você TEM que conhecer, caso você realmente goste de viajar. Vai lá: http://www.pocketfilmsfortravelers.com . E quando digo viajar, não estou me referindo a você, que gosta de ir ao país estrangeiro para correr às lojas de bugigangas, ou que saca desesperadamente sua máquina em pontos turísticos, e se esquece de apreciar a paisagem. Se você for, nada contra também. Faz parte.
Mas estou falando de outro tipo de traveler, aquele que encara a viagem como uma busca pela identidade. Uma busca existencial. Eu tinha um amigo que sempre citava aquela frase, “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, e não de novas paisagens”. Eu prefiro pensar de outra maneira: “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, em novas paisagens”.
Acho que é isso que me fascina tanto e ao mesmo tempo me assusta nas viagens. E é isso que eu vejo a Ju captando tão bem no Pocket Films. Perca um bom tempo navegando lá. Tire um dia, uma tarde, uma noite, para fuçar cada cantinho do site. A Ju é uma traveler que já rodou o mundo várias vezes. É o projeto de uma vida. Em cada país que ela vai, ela coleta imagens, que aparecem em forma de fotos e vídeos no site. O Pocket Films é como se fosse um longo filme. E cada pedacinho do site faz parte dessa trama.
Mas, mais do que isso, ela vai captando estados de espírito. Ela vai deixando por ali músicas, desenhos e textos de uma poesia que consegue expressar aquela melancolia gostosa que sentimos quando viajamos. Você fica feliz de ver tanta coisa nova e bonita, e fica triste porque queria fazer parte de tudo aquilo, mas você não faz parte, e você vê como o mundão é tão grande, e você começa a lembrar de todos os seus pequenos problemas que ficaram lá para trás, mas não tanto para trás, porque um dia você tem que voltar.
Tudo é subjetivo na viagem. Se um alienígena me perguntasse o que é viajar, eu diria para ele escutar “Feeling Good”, da Nina Simone (lá em cima tem a música se você quiser ouvir).
O Pocket Films é meio isso. Ele dá essa sensação de arrebatamento, algo voraz. Quando você viaja, você deixa de ser um pouco você mesmo. Dá um alívio enorme às vezes, mas dá um pânico também. Viajar te coloca em perspectiva: você vê o quanto você é pequeno, ao mesmo tempo que reforça a sua individualidade e seu poder interior.
Te faz ver o quanto o que você acredita, o que você é, o que você pensa, é apenas uma opção possível. Te faz sentir criança de novo, já que quando você está num país estrangeiro, tudo é novo para você. Você consegue ver as coisas com novos olhos. Pânico e prazer de novo: não é fantástico chegar num país onde você não consegue entender um “a” do que estão falando, e onde você não consegue entender o que está escrito nas placas de trânsito? É um exercício enorme de humildade, e acho que todos precisam ser humildes no mínimo de vez em quando, se tornar um completo analfabeto em terras estrangeiras.
Você se sente criança de novo, e é como quando transamos com alguém querido, e nos entregamos sem vergonhas à brincadeiras particulares.
Não sei dizer se você volta mais sábio de uma viagem. Sim, temos sempre que voltar, sempre saímos de um ponto para outro. Senão, dizem, perdemos as referências, piramos um pouco, quando não temos raízes. No fundo é medo de você não ser mais você mesmo, e você perder uma das poucas certezas na vida: quem sou eu?
Eu tenho alguns favoritos no Pocket Films. Vai lá no Japão. Tem o vídeo Carol and the Dancing Scketch Book. Esse representa bem essa coisa que eu falei de se sentir criança, da beleza dessa idéia de pureza e sentidos virgens. Tem o Handome Man on a Windy Day: nesse, pra mim, vem essa sensação de melancolia bonita. Suportável portanto, mas que não deixa de apertar o peito.
Lá na seção Nova York, ouça os Podcasts com as músicas que a Ju selecionou. Tem o I Really wish we could hang out more (adoro esse nome!), e se a ficha não caiu, experimente ir um dia a Nova York e fazer um clássico na cidade: sair andando sozinho pelas ruas, com o iPod no ouvido. E sem medo de ser assaltado. Depois de andar por Manhattan de ponta a ponta, vá ao Brooklyn e passe o dia lá. Não tem turistas por ali. Como a Ju mesma diz, imagine se um bairro inteiro fosse como a Torre de quinta (isso no tempo em que a Torre de quinta era um pouquinho menos decadente, claro).
Ah, não deixe de passar pelo Cambódia. Lá você vai descobrir que os dinossauros sumiram da face da Terra não por causa de um meteorito que veio parar por aqui, mas sim porque eles estavam deprimidos, se sentindo muito solitários.
Depois me diz o que você achou do Pocket Films. I really wish we could hang out more.
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