Sunday, October 14, 2007

Cama





Acordou bem tarde no domingo. A culpa, o medo de morrer e aquela vontade de ser tão responsável já não faziam mais sentido para ela. Mas a cabeça ainda doía. E o sorriso não vinha, e nem a vontade de levantar da cama, e nem a vontade de se recompor e voltar a ser gente. Porque naquele estágio ela não se sentia gente. Só se sentiria gente novamente quando se levantasse enfim, fosse ao banheiro, aliviasse a bexiga que já doía, lavasse o rosto e passasse uma água no cabelo. Ela dormiu de maquiagem. Em outros tempos, ela se acharia no fundo do poço. Tinha vontade mesmo era de beber água. Vontade de se purificar? A culpa cristã escondidinha, lá no fundo, e ela tentava jogar água fria em cima dessa danada. Agora já era tarde, a cama já estava contaminada com tanto cheiro de cigarro e de noite e de pessoas que ela conheceu na noite passada. E aquela cama, que em outros tempos era tão cheirosa, e que tinha apenas dois cheiros, agora era um depósito de cabelos e pêlos dos mais diferentes tipos, das mais variadas cores, dos mais variados sexos, e das mais diferentes espessuras. A bexiga estava apertada, a vontade de água era grande, mas tudo que ela conseguia fazer era procurar os mínimos vestígios daquele que ela tanto amou um dia, que foi embora e deixou apenas pequeninas lembranças hoje perdidas naquela enorme e democrática cama que nunca dizia não.

Tuesday, September 25, 2007

Amor adora arte (e uma dancinha)


Ele e ela estão no museu.

Ele: É um lindo Jackson Pollock, não?

Ela: Sim, é.

Ele: O que esse quadro representa pra você?
Ela: Ele reafirma a negatividade do universo. O horroroso e solitário vazio da existência. O Nada. A difícil situação do Homem forçado a viver em uma eternidade estéril, sem Deus, como uma pequena chama tremulando num imenso vazio com nada além de dejetos, horror e degradação, formando uma inútil e fria camisa-de-força em um cosmos sombrio e absurdo.

Ele: O que você vai fazer no sábado à noite?

Ela: Cometer suicídio.

Ele: E na sexta?


Eu simplesmente adoro esse diálogo. Sempre que vejo, fico rindo que nem um idiota, como uma foca batendo palmas querendo receber mais sardinhas (tá, eu confesso que nunca vi uma foca batendo palmas, mas acho que você entende o que quero dizer, não?).

Essa é uma cena de “Sonhos de um Sedutor”, que no original se chama “Play It Again, Sam”, referência a “Casablanca”, claro. Não é dirigido pelo Woody Allen, mas é praticamente um filme dele. No filme, ele está desesperado atrás de mulheres, sofredor incorrigível (que pleonasmo!) e ninguém menos que Humphrey Bogart é seu consultor amoroso.

E lá vai nosso sofrido Woody Allen, encorajado por um casal de amigos, a paquerar em um museu. Ele vê a moça meio dark, existencialista fatal, e cola nela. E daí se segue esse diálogo inesquecível.

Eu adoro museus. De arte moderna, de preferência. Amo aquelas obras que os Manés falam: “Dãããããã, isso eu também sei fazer”. Amo coisas conceituais, que “qualquer um pode fazer, até meu filho de 5 anos”. Acho que é porque gosto de pessoas conceituais também....Deve ser um lugar ótimo de se paquerar. Moças interessantíssimas vão sozinhas. Moços lindos estão por ali. E sempre dá aquela sensação idiota de que todos, já que estão ali, são inteligentes. Mas que besteira! Pessoas inteligentes cansam às vezes, não? Sempre tem algum estudante ensebado, mas sempre também aquelas pessoas especiais, que batemos o olho e na hora sabemos que tem algo especial. Linda adora arte, já cantava Scandurra (você já ouviu “Amor em B.D.”, do disco “Amigos Invisíveis”? Ouça agora. Linda adora arte)

O fato é que a gente procura pessoas especiais, quando as pessoas especiais não estão por perto. Quer dizer, às vezes, elas estão do nosso lado, mas não conseguimos ver. Claro, tudo é perdoável, somos cegos por opção. Mas já que não conseguimos ver, vamos procurar em outros lugares, procuramos pessoas especiais em lugares especiais.

Não me esqueço de quando eu tinha uns 18 anos e tava voltando do ensaio da minha banda, quando eu tentava ter banda. O vocalista quis parar num Habib’s (tãããão 18 anos isso), comprar umas esfihas, era baratinho (tãããão 18 anos, nunca temos dinheiro pra nada) e, na fila, ele encontrou a menina dos sonhos dele. Ao menos fisicamente, claro. Mas é assim aos 18, não? Daí que ele foi lá, falar com a menina, jogou qualquer papo bobo. E ela só se limitou a torcer o nariz e dizer: “Ai, você tá me paquerando aqui na fila do Habib’s?”.

Na hora achei a menina de uma nojentice só. Chata, arrogante, metida. Até hoje continuo (hahaha) achando, mas tudo bem, agora eu entendo ela. Fila do Habib’s não é um lugar especial pra achar alguém especial, né? Mas que ela foi uma chata, ela foi. Imagina que lindo se eles tivessem ficado, e eles pudessem contar, aos risos, pros netinhos: “Sabe onde o vovô e a vovô se conheceram? Num lugar super tosco, onde serviam esfihas ensebadas!”.

E sempre lembro também de uma mulher que trabalha com minha mãe que ficou casada há uns 20 anos com um cara que ela conheceu no.....Metrô. Ela tava sentada naqueles bancos da plataforma, esperando o trem chegar, e o carinha achou ela bonita, sentou do lado e colou nela. Colou tanto que se casaram.

Eu acho que não tem lugar pra nada. Pode ser em qualquer lugar. O problema é a hora. Pode ser o melhor lugar do mundo, mas se não for a hora, pra ele ou pra ela, não vai rolar. Saco! Lugar a gente muda. Hora não dá pra voltar, ir pra frente, pra trás.... Sorte que sou capricorniano, tenho a maior paciência do mundo.

Por que ter paciência faz bem. Claro, não dá pra se acomodar. Numa coisa eu acredito. Gente desesperada só atrai gente desesperada. E gente desesperada fica legal só no “Lost”. Desesperada por um namorado, namorada, trepada, dormir de conchinha, ligar no dia seguinte, fugir no dia seguinte, andar de mãos dadas, dizer que tá com saudade, dar presente, levar pra jantar, séxu, séxu e mais séxu, e beijinhos na boca, desesperados por dar vazão à tanto amor, que nem rosto tem. Pros desesperados, qualquer rosto serve. Tô fora.

O fato é que as coisas fogem do tempo. Quando você está solteiro, sozinho, e não tá deprê, nem nada, quando tudo está Ok com vc, auto-estima lá nas alturas, curtindo uma solidão opcional (que é quebrada a qualquer instante, é só ligar para um amigo aqui, uma amiga ali, e abrir aquela garrafa de vinho lá em casa, ou sair pra dançar e dar risadas numa noite qualquer, e falar bobagens até de madrugada, e ficar de queixo doendo, e sem fôlego de tanto rir), você começa a se tornar brilhante. Sim, você brilha demais. Você fica bonita (bonito demais). Fica interessante demais. Todos olham pra você. E, desesperados ou não, ninguém vai te deixar em paz. Você é bom demais pra estar sozinho. E daí, quando você vê, você perdeu sua querida solidão. E ganha uma querida pessoa ao seu lado. E, oh, não, tudo começa de novo! Eba!

Sunday, September 16, 2007

I am a freak



A Nina tava me falando que só aparece maluco na vida dela. Mas que ela gostava de malucos, porque, no fundo, nós também somos malucos. Discordei. Eu disse que não era maluco. É sim, ela disse. Você é maluco também. A diferença é que somos malucos do bem. Tá. I am a freak. Quero beber menos para, nos momentos importantes, não estragar tudo. Outra diferença é que, para o maluco do bem, um tempo depois, tudo é motivo de risadas.

Saturday, September 15, 2007

Música me faz perder o controle




Tem música pra dançar, pra chorar, pra balançar os ossos. Música me faz perder o controle. Assim que é bom. Quem vai ser eu mesmo, se eu não for eu mesmo?

Tuesday, September 11, 2007

É tarde demais?




O tempo passa rápido demais, as coisas vão acontecendo, e às vezes eu sou tão devagar quanto uma tartaruguinha manca. E, aí, já aconteceu. E deixo de falar as coisas que importam, deixo de falar o quanto gostei de você. Mas daí já foi. A memória fica latejando, me relembrando, e quando tento falar o que não foi dito, você já não é a mesma.

Dos tempos do estado

Há uns cinco anos eu só tava lendo Caio Fernando Abreu. Devo ter lido tudo, eu estava monotemático. Meus amigos não aguentavam mais eu falando dele. Mas passou. Agora só tô lendo o Haruki Murakami (valeu, Simone).

Por isso não acreditei quando a Nina me contou que o Caio é supermoda nos fotologs. E lembrei que vivo tentando contar esse conto para o Edu, porque vamos almoçar só lá pelas 3 da tarde todos os dias, e já tão cansados e tão famintos, e rindo para acabar com a rabujentice que volta e meia ameaça aparecer. Acho que ele me entende. É um conto do Caio quando ele fazia crônicas no Estadão. E fiquei com saudades do tempo em que eu trabalhava lá, escrevendo no Zap!, que nem existe mais.

Passou, passou.

Mas dá uma lida.



Deus é naja (texto do Caio Fernando Abreu)

Tenho um amigo, cujo nome, por muitas razões, não posso dizer, conhecido como o mais dark. Dark no visual, dark nas emoções, dark nas palavras: darkésimo. Não nos conhecemos há muito tempo, mas imagino que, quando ainda não havia darks, ele já era dark. Do alto de sua darkice futurista, devia olhar com soberano desprezo para aquela extensa legião de paz e amor, trocando flores, vestida de branco e cheia de esperança.

Pode parecer ilógico, mas o mais dark dos meus amigos é também uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Rio sem parar do humor dele –humor dark, claro. Outro dia esperávamos um elevador, exaustos no fim da tarde, quando de repente ele revirou os olhos, encostou a cabeça na parede, suspirou bem fundo e soltou esta: -“Ai, meu Deus, minha única esperança é que uma jamanta passe por cima de mim...” Descemos o elevador rindo feito hienas.

Devíamos ter ido embora, mas foi num daqueles dias gelados, propícios aos conhaques e às abobrinhas. Tomamos um conhaque no bar. E imaginamos uma história assim: você anda só, cheio de tristeza, desamado, duro, sem fé nem futuro. Aí você liga para o Jamanta Express e pede: -“Por favor, preciso de uma jamanta às 20h15, na esquina da rua tal com tal. O cheque vai estar no bolso esquerdo da calça”. Às 20h14, na tal esquina (uma ótima esquina é a Franca com a Haddock Lobo, que tem aquela descidona), você olha para esquina de cima. E lá está - maravilha!- parada uma enorme jamanta reluzente, soltando fogo pelas ventas que nem um dragão de história infantil. O motorista espia pela janela, olha para você e levanta o polegar. Você levanta o polegar: tudo bem. E começa a atravessar a rua. A jamanta arranca a mil, pneus guinchando no asfalto. Pronto: acabou. Um fio de sangue escorrendo pelo queixo, a vítima geme suas últimas palavras: -"Morro feliz. Era tudo que eu queria..."

Dia seguinte, meu amigo dark contou: - "Tive um sonho lindo. Imagina só, uma jamanta toda dourada..." Rimos até ficar com dor na barriga. E eu lembrei dum poema antigo de Drummond. Aquele Consolo na Praia, sabe qual? "Vamos não chores / A infância está perdida/ A mocidade está perdida/ Mas a vida não se perdeu" - ele começa, antes de enumerar as perdas irreparáveis: perdeste o amigo, perdeste o amor, não tens nada além da mágoa e solidão. E quando o desejo da jamanta ameaça invadir o poema - Drummond, o Carlos, pergunta: "Mas, e o humour?" Porque esse talvez seja o único remédio quando ameaça doer demais: invente uma boa abobrinha e ria, feito louco, feito idiota, ria até que o que parece trágico perca o sentido e fique tão ridículo que só sobra mesmo a vontade de dar uma boa gargalhada. Dark, qual o problema?

Deus é naja - descobrimos outro dia.

O mais dark dos meus amigos tem esse poder, esse condão. E isso que ele anda numa fase problemática. Problemas darks, evidentemente. Naja ou não, Deus (ou Diabo?) guarde sua capacidade de rir descontroladamente de tudo. Eu, às vezes, só às vezes, também consigo. Ultimamente, quase não. Porque também me acontece - como pode estar acontecendo a você que quem sabe me lê agora - de achar que tudo isso talvez não tenha a menor graça. Pode ser: Deus é naja, nunca esqueça, baby.

Segure seu humor. Seguro o meu, mesmo dark: vou dormir profundamente e sonhar com uma jamanta. A mil por hora.

O Estado de S. Paulo, 15/07/86

Sunday, September 09, 2007

Feeling good - nina simone



Se um alienígena me perguntasse o que significa viajar, eu pediria para ele ouvir essa música.

Pocket films for travelers

Foto de Juliana Mundim



Tentar explicar por que viajar é algo tão necessário às nossas vidas é que nem tentar explicar o que é o azul. Ou tentar explicar por que é gostoso comer aquele doce. Ou por que é tão bom beijar aquela pessoa especial. Você encontra mil respostas racionais, mas essas serão apenas representações incompletas de experiências tão particulares.

Mas eu viajo pouco. Não sou um traveler como a Juliana. Tá, ela é uma amigona, e vale lembrar que best friend a gente só tem um, mas isso não invalida a minha dica.

Ela tem um projeto absurdo, que você TEM que conhecer, caso você realmente goste de viajar. Vai lá: http://www.pocketfilmsfortravelers.com . E quando digo viajar, não estou me referindo a você, que gosta de ir ao país estrangeiro para correr às lojas de bugigangas, ou que saca desesperadamente sua máquina em pontos turísticos, e se esquece de apreciar a paisagem. Se você for, nada contra também. Faz parte.

Mas estou falando de outro tipo de traveler, aquele que encara a viagem como uma busca pela identidade. Uma busca existencial. Eu tinha um amigo que sempre citava aquela frase, “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, e não de novas paisagens”. Eu prefiro pensar de outra maneira: “A verdadeira viagem necessita de novos olhos, em novas paisagens”.

Acho que é isso que me fascina tanto e ao mesmo tempo me assusta nas viagens. E é isso que eu vejo a Ju captando tão bem no Pocket Films. Perca um bom tempo navegando lá. Tire um dia, uma tarde, uma noite, para fuçar cada cantinho do site. A Ju é uma traveler que já rodou o mundo várias vezes. É o projeto de uma vida. Em cada país que ela vai, ela coleta imagens, que aparecem em forma de fotos e vídeos no site. O Pocket Films é como se fosse um longo filme. E cada pedacinho do site faz parte dessa trama.

Mas, mais do que isso, ela vai captando estados de espírito. Ela vai deixando por ali músicas, desenhos e textos de uma poesia que consegue expressar aquela melancolia gostosa que sentimos quando viajamos. Você fica feliz de ver tanta coisa nova e bonita, e fica triste porque queria fazer parte de tudo aquilo, mas você não faz parte, e você vê como o mundão é tão grande, e você começa a lembrar de todos os seus pequenos problemas que ficaram lá para trás, mas não tanto para trás, porque um dia você tem que voltar.

Tudo é subjetivo na viagem. Se um alienígena me perguntasse o que é viajar, eu diria para ele escutar “Feeling Good”, da Nina Simone (lá em cima tem a música se você quiser ouvir).

O Pocket Films é meio isso. Ele dá essa sensação de arrebatamento, algo voraz. Quando você viaja, você deixa de ser um pouco você mesmo. Dá um alívio enorme às vezes, mas dá um pânico também. Viajar te coloca em perspectiva: você vê o quanto você é pequeno, ao mesmo tempo que reforça a sua individualidade e seu poder interior.

Te faz ver o quanto o que você acredita, o que você é, o que você pensa, é apenas uma opção possível. Te faz sentir criança de novo, já que quando você está num país estrangeiro, tudo é novo para você. Você consegue ver as coisas com novos olhos. Pânico e prazer de novo: não é fantástico chegar num país onde você não consegue entender um “a” do que estão falando, e onde você não consegue entender o que está escrito nas placas de trânsito? É um exercício enorme de humildade, e acho que todos precisam ser humildes no mínimo de vez em quando, se tornar um completo analfabeto em terras estrangeiras.

Você se sente criança de novo, e é como quando transamos com alguém querido, e nos entregamos sem vergonhas à brincadeiras particulares.

Não sei dizer se você volta mais sábio de uma viagem. Sim, temos sempre que voltar, sempre saímos de um ponto para outro. Senão, dizem, perdemos as referências, piramos um pouco, quando não temos raízes. No fundo é medo de você não ser mais você mesmo, e você perder uma das poucas certezas na vida: quem sou eu?

Eu tenho alguns favoritos no Pocket Films. Vai lá no Japão. Tem o vídeo Carol and the Dancing Scketch Book. Esse representa bem essa coisa que eu falei de se sentir criança, da beleza dessa idéia de pureza e sentidos virgens. Tem o Handome Man on a Windy Day: nesse, pra mim, vem essa sensação de melancolia bonita. Suportável portanto, mas que não deixa de apertar o peito.

Lá na seção Nova York, ouça os Podcasts com as músicas que a Ju selecionou. Tem o I Really wish we could hang out more (adoro esse nome!), e se a ficha não caiu, experimente ir um dia a Nova York e fazer um clássico na cidade: sair andando sozinho pelas ruas, com o iPod no ouvido. E sem medo de ser assaltado. Depois de andar por Manhattan de ponta a ponta, vá ao Brooklyn e passe o dia lá. Não tem turistas por ali. Como a Ju mesma diz, imagine se um bairro inteiro fosse como a Torre de quinta (isso no tempo em que a Torre de quinta era um pouquinho menos decadente, claro).

Ah, não deixe de passar pelo Cambódia. Lá você vai descobrir que os dinossauros sumiram da face da Terra não por causa de um meteorito que veio parar por aqui, mas sim porque eles estavam deprimidos, se sentindo muito solitários.

Depois me diz o que você achou do Pocket Films. I really wish we could hang out more.

Monday, September 03, 2007

Essa vida agitada



Ela vai encontrar.

Amor no osso



Quando nós terminamos, resolvi tirar uns dias de folga. Fiz uma voz de doente, liguei lá para o serviço, disse que estava com umas dores, sem especificar direito o que era. As dores, hoje, são tão genéricas, vêm de tantos lugares, que eles nem me questionaram. Mas eu estava mesmo doente, só não era uma doença oficialmente aceita.

Fiquei quietinha, sem sair de casa. Sem fazer barulhos, procurava me mover o mínimo possível. Se eu me mexesse, eu sabia que algo em mim quebraria. Resisti à tentação de ficar lembrando os últimos momentos, por que deu errado, o que eu tinha feito, o que ele tinha feito.

Em vez disso, preferi pensar sobre como seria meu próximo namorado. Ou amante, melhor, acho que namoro só de tempos em tempos. Não dá para emendar um no outro, né? Eles ficam todos parecidos uns com os outros quando a gente faz isso, eu acabo trocando os nomes e, no fundo, eu adoro sofrer um pouquinho, durante um tempo. Fico me sentindo chique. Solitária, mulher abandonada, abraçada na minha garrafa.

Decidi que, quando encontrar meu próximo amor, terá que ser um amor básico. Algo primitivo. Não, não estou falando de sexo. Quero que ele e eu sejamos apenas esqueletos. Não quero mais pele. Amor no osso. Na essência das coisas.

Não vamos nos maquiar tanto para nos amar. Não teremos mais faces, não teremos mais pêlos. Não teremos mais corpo, apenas uma estrutura primeira. Não vou olhar para seu corte de cabelo, você não vai olhar para as minhas roupas. Não quero saber quanto você ganha, porque enfim não teremos que trabalhar, vamos fazer apenas o que gostamos.

Talvez a gente não converse tanto, afinal, não teremos boca, nem garganta, nem pulmão, mas vamos transmitir pensamentos, isso eu tenho certeza. Nunca terei certeza de quando você estará me olhando no olho, porque não teremos olhos, e não precisarei escovar os dentes antes de te beijar, porque talvez a gente nunca chegue a se beijar.

E quando o desejo arder, se ele arder, iremos transar, mas quando a gente transar, vamos apenas ralar, e vamos fazer barulhos, porque seremos iguais em cima e embaixo, e então não teremos mais sexo. Mas vamos continuar nos encaixando, porque os ossos duram bastante, e não apodrecem tão rápido quanto a carne.

E o amor vai continuar, soterrado por camadas e mais camadas de terra, e seremos descobertos pelos arqueologistas do futuro, porque no futuro seremos artefatos do passado. Amores do passado.

Sunday, September 02, 2007

O tempo é um amigo precioso



Eles ainda me surpreendem. Deve ter sido o vigésimo shows deles que eu assisti, mas ainda assim, saio sempre emocionado. Sábado passado, lá no Studio SP, show classudíssimo do grande Cidadão Instigado. Show para muito poucos, ou poucos muitos, mantendo assim o clima gostoso de segredo entre amigos. Eles me emocionam. E as pessoas dançam, choram, e encontro amigos queridos. Sábado à noite tudo estava lindo, como um bom sábado deveria ser sempre. Não sou muito de reproduzir aqui as matérias que escrevi para o jornal, mas vai aqui uma exceção. Era um dos primeiros shows que eu via do Cidadão, eles tinham lançado um disco que entorta as pernas até hoje (foi em 2005, e a banda fazia uma temporada classe no Grazie a Dio!) e as pessoas estavam apaixonadas. Porque o tempo é um amigo preciso.
Aí vai:


Não há dia da semana mais cruel para a ressaca amorosa que a segunda-feira. Da paixão que atinge os píncaros do arrebatamento numa noite de sexta às brigas e o rompimento num sábado amargo, o cidadão que ficou instigado tem pela frente apenas a depressão de um domingo solitário. E os sobreviventes, estes ainda sentem o gosto do amor amanhecido na preguiçosa segundona em que a vida pessoal tem que dar passagem para a vida de trabalho.

Por isso, a chuva fininha, triste, que caía em São Paulo na noite da última segunda até parecia jogo de mise-en-scène. Era também o primeiro show da banda cearense Cidadão Instigado em temporada no Grazie a Dio!, na Vila Madalena, onde tocarão durante as segundas de novembro. Por ali, um coração dilacerado chamado Fernando Catatau irá cantar as músicas de um dos melhores discos do ano, "Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências".

Catatau conhece o espírito mutante do amor. No palco, recombina códigos da música popular. Parece perguntar: "Afinal, o que é o brega?". Entra, assim, sem pudores, no quartinho da empregada, quando canta "Te Encontra Logo..." e esbarra em Roberto Carlos. O músico franze a testa e fecha os olhos -larga a guitarra para colocar as mãos no peito. "Não quero estar recuando o meu sentimento e a minha alegria/Acho que estou te esperando/ o que talvez você já saiba." Ele sofre.

O músico sabe que a paixão é fugaz. Quando ela se vai, resta cantar e relembrar, para além das dores de corno. Por isso, o músico celebra os últimos instantes antes da putrefação. Por isso, uma canção como "Os Urubus Só Pensam em Te Comer". O arrebatamento pode ser esquisito, por isso uma música experimental sobre "vacas que estão velhas e loucas".

O amor altera mentes tranqüilas. Vai encontrar lá no inconsciente prazeres até então desconhecidos. "Preciso de um pouco de água com açúcar para me tranqüilizar", o desesperado Catatau pede na roqueira "Calma!" O cenário só se completa quando a iluminação reflete bolinhas de luz de um globo no teto. Somos transportados para a mais cafajeste das churrascarias, onde casais suspiram ao som de clones do Rei. Depois, um telão no palco vai mostrar imagens congeladas do público e da banda. Estamos em um baile de debutante e acreditamos em príncipes encantados.

No seu mergulho nos meandros do coração e da canção popular, a banda encontra o universal. Para o Cidadão Instigado só resta pensar sobre "O Tempo", que promete cura para todos os males (inclusive o escasso sucesso comercial). "Já não sou mais o menino que você deixou/o tempo é um amigo precioso/ que faz questão de jogar fora/aquela mágoa vencida." E assim termina a experiência que foge à todas as regras e pela qual todos adoram ser cobaias.

Sunday, August 26, 2007

Fim de semana



E nós nos perguntamos quando é que vamos chegar ali

Wednesday, August 22, 2007

Eu chovo



Esta é a Pipilotti Rist. Ela também chove.

Vem, vamos dançar



Atolados no sofá, num final de semana de tantas opções e nenhuma escolha, eles resolveram ficar em casa mais uma vez. Sem festas, sem jantar na casa de amigos, sem passeios no parque. Ficariam apenas os dois.

Sem sexo.

Antes, era a cada cinco minutos. Naqueles tempos, deixavam uma garrafa de água ao lado da cama, para não desperdiçarem nenhum instante.

A televisão, dona do lar, agora gemia pelos dois. Naquele sábado à noite, eles vislumbraram uma inusitada esperança. Estava lá, aquele mesmo filme que viram juntos há tantos anos, logo no começo, dos dias da água abundante.

Izumi podia jurar que era, de fato, o primeiro filme deles. Durante um tempo, foi “o” filme, mas apenas por um tempo, porque logo depois esse tipo de intimidade e cumplicidade não dizia mais nada para os dois. Tinoko até se levantou, ergueu as costas e sentou ao lado dela. Mas não chegou a pegar em sua mão.

Juntos, iam mais uma vez ver o filme. E, naquela antiga lembrança, os dois novamente tinham um pensamento em comum. Esperavam sentir de novo, apenas mais uma vez antes do fim, aquela inspiração que tanto ajudou para que eles se unissem. Daqueles filmes que lhes davam vontade de sair do cinema correndo para, eles mesmos, entrarem numa trama.

Mas, enquanto a ação se desenrolava, Izumi e Tinoko ficaram impassíveis, ela com sua meia rasgada, ele com sua calça encardida. Não conseguiram ver nada na pequena tela, a não ser aquela outra história que eles já estavam cansados de assistir. E repararam que aquele filme não era tão bom assim.

Sunday, August 12, 2007

The girls and the boys





Não importa se você é mulher ou homem. Somos todos James Bond com Bond Girls ou Bond Boys em nossas histórias

Máquina de café




Você iria achar superestranho, e eu não iria te censurar. Por isso, só vou te contar daqui a um tempo. Não dá para forçar intimidades assim, logo no começo, não é? Claro, a gente sabe que no começo tudo é um grande teatrinho. Eu finjo que sou perfeito, você finge que acredita, eu vejo beleza em cada espirro que você dá, você fica prestando atenção em cada nuance das cores do meu cabelo, eu acho você a garota mais fantástica do mundo. Nós acreditamos. Temos que acreditar.

Talvez por isso mesmo não dá para te contar tudo. Vamos aos pouquinhos. A cada dia eu prometo descer um degrau do céu. Mas você vai comigo. Ah, claro, eu tenho preguiça de sair todas as noites. Sim, você acha um saco ir ao cinema todo final de semana. Tá, Woody Allen não é tão genial assim. O quê? Você ficou com ciúme das minhas amigas? Mas você não tinha prometido jantar comigo hoje? A cada dia, vamos descendo um degrau até a gente chegar numa base bem segura, onde vamos poder nos abraçar bem forte.

Por enquanto, eu faço um esforço tremendo para acordar antes de você. Só para ter aquela estranha sensação que dura alguns milisegundos, depois que a gente acorda, depois de um sono gostoso. Alguns breves instantes em que você não sabe quem é, onde está, se é dia, se é noite, qual é o seu nome. Só sei que dá um alívio enorme acordar ao seu lado. Gosto de olhar para o lado, e ver que você está ali.

E fico um tempão bem quietinho, só olhando para você. Assistindo a você dormir, e pensar o quanto esperei tanto para que a gente enfim se conhecesse, e ficasse junto. E vou relembrando cada etapa. Da primeira vez que te vi. Forço a cabeça pra lembrar que roupa você estava usando. Se você estava sorrindo ou séria. E depois forço um pouco mais, e tento lembrar qual foi a sensação que eu tive na primeira vez que ouvi a sua voz. E vou buscando, palavra por palavra, a primeira frase que trocamos.

Fico aqui, bem quietinho ao seu lado, para não te acordar. Sim, é meio estranho, sei que você não é um filme ou uma instalação num museu para eu ficar assim parado e te olhando.

Mas eu tenho tido dias felizes ultimamente, e eu, que nunca gostei de acordar tão cedo, agora tenho mudado de hábitos, e deixado aquela mania de ficar tão sozinho de lado. E eu preciso te olhar bastante, para ter certeza de que você está mesmo do meu lado, e para ter certeza de que você realmente existe, e para que eu não confunda mais os sonhos e a realidade e os desejos e as coisas que já foram, e as histórias de outros que eu li ou ouvi no caminho para casa e as histórias que eu mesmo vou construindo, e as histórias que eu vou escrevendo, e as histórias que nós vamos vendo nos filmes, e as histórias que vou criando todas as noites só na minha cabeça.

Saturday, August 04, 2007

The Greatest



E quantos pinos vão cair?
Mas no final das contas isso não importa; nunca vou saber, e nunca vou me lembrar

Noite passada, manhã ressecada



Izumi passou a noite inteira ao lado da janela. Era uma festa, sabia bem, e esta era a oportunidade de encontrar aquele famoso alguém legal, alguém para levar para casa e passar algum tempo. Alguém para ao menos acordar ao seu lado. Mesmo que esse alguém acordasse antes dela, tossindo por causa de tantos cigarros da noite passada. E esse alguém fosse embora antes de ela acordar, sem ao menos deixar um bilhete, ou um beijo de despedida.

Isso não era problema para Izumi. Ela passara a tarde inteira naquela cabeleireiro, e passara a tarde na loja, escolhendo as melhores roupas, mas aquilo não era para ninguém. Ela queria acordar sozinha no dia seguinte. Izumi queria celebrar a sua própria existência.

Porque esta noite ela se dedicaria apenas aos seus prazeres. Ela beberia o quanto quisesse, não teria que dar satisfações a ninguém. As coisas seriam mais divertidas, no final das contas. Ela dançaria as músicas que desse vontade, e cantaria até a voz lhe sumir. Não precisava de voz naquela noite, já que não queria falar com ninguém. Apenas suas músicas prediletas, e sua dança particular. Poderia chegar à hora que quisesse, poderia ir embora sem ao menos perguntar se poderia ir embora. Era apenas colocar a mão na maçaneta, estou indo embora.

Não pensaria em Tinoko, e não pensaria nas tardes preguiçosas, e fingiria não sentir saudades dos tempos em que tinha que negociar cada gole de bebida, e cada respiro aliviado. Porque há tempos não se lembrava mais. Izumi estava anônima ao lado da janela, e aquilo era tudo que ela sempre quis. Ao menos por uma noite, ao menos nesta noite, em que se sentia a maior de todas.

Saturday, July 21, 2007

Gosto muito de você, leãozinho

Be my wife


Fiquei hoje o dia inteiro pensando em você, e não via a hora de chegar aqui, só pra te ver. Poderíamos ficar apenas esperando o trem chegar, e passar aquela hora do fim da tarde que você acha tão triste, quando o sol começa a baixar e o céu fica todo avermelhado para depois ficar naquele azul escuro que você tanto odeia, antes de chegar a noite, quando não sabemos mais se é dia ou noite, aquela hora em que você fica amargurada, e com a garganta rígida, você engole seco, e se lembra de tudo aquilo que você viu e fez no passado que tão cuidadosamente tenta se esquecer durante os dias, e pensa até em não esperar mais nenhum trem, e apenas se jogar num vão, e ser digerida por um trem, nessa horas poderíamos ficar o tempo todo juntos, e conversando e falando sobre o que você fez em casa durante o dia, e o que você fez de novo no trabalho, e eu ouviria com cuidado todas as suas queixas.

Eu até faria perguntas sobre seu trabalho. Ficaria indignado com aquelas pessoas que te trataram tão mal naquele escritório hoje. Eu faria caras e bocas, e me estressaria, e ameaçaria ir lá quebrar a cara daquele idiota, quem ele pensa que é para falar com você dessa maneira?

Fiquei o dia inteiro pensando em você, e agora estou ao seu lado, e podemos ficar aqui apenas olhando os trens, e vendo cada pessoa que passar na nossa frente. Ao seu lado, eu vou criando a minha história.

Vamos criando outras histórias. Olha só aquela senhora com tantos agasalhos, o que acontece com ela, já que nem está tão frio assim hoje? Ah, ela deve viver tão sozinha, mas tão sozinha em casa, com seus gatos, que a vida anda meio gelada com ela, e gatos são fofinhos, mas não são tão quentinhos quanto aparentam.

Olha só aquele moço, que passa tão apressado, e ele tenta entrar no vagão, mas não cabe mais ninguém lá dentro, você diz. Mas essa é a idéia dele, eu digo, já que ele nunca consegue se incluir, tem tão poucos amigos, o coitado, que às vezes até começa a ouvir vozes e falar sozinho quando está em casa, então ao menos num vagão lotado ele consegue entrar, e enfim por poucos momentos ele pertence a algo.

E pensando tanto em você hoje, eu trouxe rosquinhas para você comer, mas se achar muito seco, podemos ir até um café, quem sabe você pode até deixar as rosquinhas de lado e podemos comer algo de verdade. Mas vamos falando de coisas que podemos fazer agora, nesse comecinho de noite, e quando vemos, já passou tanto tempo, e pensamos em tantos lugares, pensamos naquele filme engraçado que você tinha ouvido falar em algum lugar, será que ainda ta passando no cinema?

Ah, acho que não, só deve ter uma sessão hoje, afinal, já está tanto tempo em cartaz, mas, ah, devemos ser especiais mesmo, já que todo mundo viu esse filme, menos eu e você no mundo, e pelo jeito vamos terminar nunca vendo esse filme. Nós dois, apenas nós dois num mundo fora de um cinema.

Podemos ficar aqui, e isso não será nenhum problema, com você ao meu lado, e fico imaginando como seriam as coisas se a gente nem se conhecesse, e se eu estivesse aqui, sentado nesse banco, só imaginando coisas, e de repente eu tenho medo de que você seja apenas mais uma pessoa que eu estou tentando adivinhar a vida, e me vejo sem palavras para trocar com você, e fico te olhando e sorrindo que nem um idiota, e eu não consigo entender por que eu, e você, duas pessoas tão interessantes (é o que vivem dizendo, não é?), não temos nada para falar um para o outro, então vamos parar de pensar, e vamos ficar aqui, apenas um do lado do outro, enquanto eu te olho, e você me olha, e nunca nos falamos.

Sunday, June 24, 2007

Toda noite uma despedida (2)


Izumi me deixava confuso. Quase deitado naquele sofá, e lá se vão anos e anos de correção da minha postura corporal, eu já não sabia se Izumi e eu estávamos num daqueles momentos de drama de fim de caso ou se, ao contrário, tudo era apenas o começo, e eu estava misturando as coisas, lembrando da Azumi, a namorada que veio antes de Izumi.

Às vezes vivemos vidas dentro de vidas. E não dá mais para saber o que é de dentro, e o que é de fora. O jeito é continuar, ir absorvendo tudo mesmo.

E talvez eu e Izumi estivéssemos apenas sem graça porque não nos conhecíamos direito e não tínhamos muito assunto, já que até a noite anterior nós éramos dois perfeitos desconhecidos naquele bar vazio, prestes a fechar, que decidiram começar a trocar olhares, e que enfim começaram a falar uma bobagem qualquer, porque estavam loucos de vontade de se conhecer, do tipo “Olha só, que música legal essa que tá tocando”, no que um dos dois retrucou “Mas música é para ouvir, e não para olhar”, e começaram a rir um do outro, e trocaram nomes, risadas, bebidas, e confissões que não se fazem para qualquer um, e histórias aumentadas para melhorar a realidade, para logo em seguida terminarem a noite num daqueles motéis disfarçados de hotéis, já que a ocasião descompromissada não permitia que a noite terminasse na casa de nenhum dos dois e nem num daqueles motéis megaluxuosos estilo parque temático, e nem num cafezinho antes para disfarçar as reais intenções, mas em nenhum dos casos não mudaria o fato de que os dois se sentiriam constrangidos por ficarem nus, eles que não se conheciam, e sabiam apenas um sobre o outro informações selecionadas a dedo, porque o objetivo era exatamente esse, terminar na cama, e um pouco de carinho sempre é necessário, é inverno, você sabe, mas era justamente essa impessoalidade que permitia que nós dois não precisássemos ficar tão constrangidos, e pudéssemos pôr em prática as posições apenas anteriormente teorizadas.
E hoje eu estava na casa de Izumi.
-Izumi, por que sua casa está tão estranha?

Toda noite uma despedida (1)


Os momentos iniciais são tão desconfortáveis quanto os finais. Comecei a pensar nisso quando um amigo meu desabafou: “Terminar é uma delícia. Adoro terminar. É tão bom como quando a gente começa a namorar”.

Eu estava de novo na casa de Izumi. Ela sempre sabia como me deixar realmente mal. Toda vez que a gente brigava, aquelas brigas realmente feias, que te fazem pensar se vale a pena continuar insistindo, ela mudava tudo. Toda a decoração da casa.

Quer dizer, não chegava a mudar a cor das paredes, o sofá e nem chegava a trocar de televisão. Ela gostava de mudanças, mas se tudo mudasse, talvez Izumi esquecesse até seu próprio nome. Ela precisava de uma âncora.

E de novo eu cheguei, cabisbaixo, com o peito cansado de tanto brigar, e ela abriu a porta e falou para eu sentar. Caminhei por instinto até o sofá, mas não encontrei nada. Meus olhos levaram alguns rápidos segundos percorrendo a sala, até eu achar o novo lugar do sofá.
Izumi conseguira de novo. Eu estava me sentindo desconfortável e incomodado com aquela casa que era a mesma, mas que ao mesmo tempo estava tão diferente.

Ela não falou nada. Devia estar cansada também, mas eu sabia que esse era seu jeito de lutar. Me deixando perdido, dando tempo e espaço para eu remoer o que eu quisesse na minha cabeça.
Eu poderia me sentir culpado, sentir raiva dela, ter vontade de simplesmente sumir e não ter que encarar de novo mais um começo, não ter que me adaptar novamente a um novo espaço onde eu não sabia nem onde ficava o sofá, e nem que cor era a tampa da privada, e nem ter que pensar em recomeços, ou pior, novos começos, porque acho que no fim das contas, tudo estava se encaminhando para isso. Mas antes teríamos que vislumbrar um fim.

Saturday, June 16, 2007

Sweet little girl, I wanna be your boyfriend


No dia 16 de junho de 2007 eu estava completando 25 anos. Lembro que era um sábado e que, na noite anterior, decidi ficar acordada para celebrar sozinha o meu aniversário. Minha mãe me dizia que eu tinha nascido às 6h45 da manhã. Geralmente eu não ficava acordada nesse horário.

Tava numa fase chata. Não gostava mais de varar a noite dançando e chegar em casa com o dia claro. Você acredita em maturidade emocional aos 25? Eu acredito em lendas. Nas últimas vezes que eu tinha chegado em casa com o Sol batendo na minha cara, queria só cortar os pulsos. Chegar em casa, de dia. E o sábado, o domingo, ficavam todos estranhos depois de trocar o dia pela noite. Ressaca moral, sabe? Eu era cheia da moral.

Mas queria um ano diferente. Os 24 não foram legais. Foi um ano parado. Não que as coisas tivessem dado errado. As coisas simplesmente não aconteceram. Então, eu achava que, se começasse aquele ano desde o primeiro segundo acordada, bem acordada, sóbria, e cheia de pensamentos de coisas boas, quem sabe um pouco de moral, Papai Noel, e uma lista com planos do tipo plantar uma árvore, apagar a luz dos ambientes em que eu não estivesse, desligar a torneira enquanto escovasse os dentes e rezar pelas baleias, quem sabe alguma coisa mudaria.

Então, naquela sexta-feira, saí às ruas numa noite quente de outono, eu e um monte de gente toda excitada com aquele calorzinho que vinha depois de dias frios, e uma brisa que arrepiava e deixava todo mundo com vontade de fazer coisas que a dona moral diria que não eram muito bonitinhas, como se o mundo fosse acabar amanhã.

Otimista e poliana, eu sabia que a hecatombe final não aconteceria no dia seguinte, o amanhã era meu aniversário de 25 anos, e isso era tudo para mim, então eu estava bem tranqüila, e andei, andei, andei, e fiquei olhando as pessoas arrepiadas e excitadas nas ruas, e eu só pensava nas 6h45 da manhã que chegaria, o momento exato que, anos antes, eu estava nascendo.


E pensei nas minhas músicas prediletas enquanto eu não nascia, e até cheguei a cantar em voz alta, porque ninguém estava ligando mesmo para meu nascimento. Cantei e dancei. E esperei.


E não teve erro. Naquela madrugada de friozinhos na espinha, eu sabia que não ficaria deprimida com os primeiros raios de Sol. E sempre que o frio avançasse, eu poderia voltar para casa e tomar uma caneca de leite com café bem quente de manhã. Naquele fim de semana, eu não tinha hora para acordar.

Sunday, June 03, 2007

Toc toc, Plutão


Queira ou não, você é obrigado a se transformar. Basta ficar parado e, quando se der conta, você já terá altura suficiente para alcançar o topo do armário, aquele mesmo que algum tempo antes você tinha que escalar com uma cadeira. E o tombo não era raro.

Mas agora surgirá uma ajudinha extra. E, mesmo que, dia após dia, você tente fingir que as mudanças não acontecem, e que você atue religiosamente na sua rotina, como o melhor ator do Oscar e interprete com inegável competência e emoção o seu eterno papel de você mesmo, o papel vai mudar. É como se o diretor fosse demitido, e produtores mudassem o rumo da trama. Mas você continua atuando no papel principal, mesmo sem entender que novo filme enfim é esse. Interprete, com emoção, por favor.

E tudo porque Plutão, o planeta que não é mais planeta, mas que sempre será um planeta, já que não pode deixar um comprometido escorpião abandonado, resolveu ser o novo diretor.

David Lynch do espaço, Plutão chega quieto, dark, na dele, sem chamar a atenção de todos. A festa já está animada o suficiente, animadores de auditório são tão tediosos. No entanto, Lynch já sabe que o consciente e o inconsciente são irmãos gêmeos, um completando o outro, que o sonho é tão real quanto a lembrança de um ato passado, tudo se mistura por ali, numa massa única. E o que não é enfim real, se torna real depois de um tempo, e depois de mais tempo, pouco interessa, a mensagem chegou, ficou registrada, e produz filhotes.

Plutão, o mais distante dos planetas, 246 anos para passear pelo zodíaco e deixar uma marca por todos os signos. Quanto tempo não nos víamos, eu entendo que nunca existe a sua marca de cigarro favorito na padaria da esquina. Fidelidade obsessiva pela marca. Tem que ir de padaria em padaria da nossa galáxia.

O Pluto é o filho da Pluta, e sei que você precisa de um dia de santa e um dia de puta. De humor variável, entre 11 e 32 anos morando, namorando, sendo amigo de cada signo, amante constante, e deixando sua marca indelével. Novas vidas, dentro da mesma vida, você terá que aprender.

Porque Plutão é transformação, renascimento, a tal da Fênix que ressurge das cinzas, das cinzas não às cinzas, do pó para além do pó.

Ele manda avisar que ano que vem estará por aqui de uma vez por todas. Mas já deixa claro que 2007 já é seu de alguma maneira. A força não é pequena, já que tudo facilita, e já que 2 e 0 e 0 e 7 são 9, e 9 é a última etapa antes da renovação, e 9 carrega todas as experiências anteriores.

Zerar ou não zerar, eis a questão. Tenho medo de zerar, e mudar de papel, e não saber mais quem sou eu, quem é você. Mas um novo diretor pode salvar um filme fadado ao esquecimento, ou ao menos lhe dar uma nova cara mais simpática.

E 2007 é o ano de faxinas, e os velhinhos vão dando adeus, bye bye, século 20. O século 21 enfim começa. Estou preparado? Nunca estamos, mas é assim que tudo funciona.

Sentimentos bipolares, vou variar do mais extremo dos otimistas ao mais profético dos seres catastróficos, e lembrar de 1930, e dos vários ismos na Europa, e das grandes depressões nas Américas, e das primeiras e segundas guerras, e do derretimento das camadas protegidas da mente, e dos mergulhos de Jung e Freud. E o mundo nunca mais foi o mesmo. E a América nasceu, e mais 246 anos pela frente. Tudo porque Plutão trocou de casa, comprou roupas novas e tem sido visto em novas companhias. Dizem até que parou de beber.

Ainda há espaço para revolução, e para destruições, e reconstruções, e o mundo nunca mais será o mesmo. A história não acabou, nunca acaba, apenas nos esquecemos das histórias, apenas não nos damos conta.

Vou viver com você até 2024, e penso no que faremos juntos durante todo esse tempo, e quem serei eu, afinal, e se vou me reconhecer nesse novo eu, e em todos os filhos que você verá surgir de mim, e se vou gostar dessa companhia. E até não te encontrar de novo, lá por volta de 2200, quando meus netos e tataranetos enfim conhecerem você e te mandarão lembranças, e lembrarão para você tudo que eu sempre quis dizer na tua ausência, desde quando você foi embora, e não consegui encontrar as palavras certas para dizer um simples adeus porque enfim, eu estava tão mudado, e não sabia mais o que dizer, mas àquela altura, eu já era outro eu, então as frases não seriam mais as mesmas, mas um dia a mensagem chegará, alto e em bom som, ecoando a mais bela das declarações de amor.

Sunday, May 27, 2007

Moço bonito numa tarde de vento


Ela quer saber se os gatos têm memória. Já passou do teto branco às experiências de transmissão de pensamento.

Eles entendem, já ouvi dizer. E, não me lembro bem, eu já li em algum lugar sobre a memória dos gatos. Eram eles que guardavam apenas as lembranças mais imediatas? Ou seriam eles realmente clichês ambulantes, misteriosos, cheios de segredos e sabedoria? Não queria que meu oráculo fosse um felino.

Não me lembro. Li em algum lugar, em algum dia, em alguma revista. Qualquer informação me basta.

Mas gatos são leves, de uma leveza não só física, o limite não são os muros altos e os telhados e o mundo inteiro à disposição, e as brechas facilmente abertas, visíveis apenas para quem é muito rápido.

E leve.

Se lembrassem de tudo, pesariam. Não conseguiriam se mover, como se entupidos da mais assassina das lasanhas, e atolados na cama de gato mais aconchegante, comprada na loja de animais mais nova do bairro. Eles seriam pesados, como todos nós. Não queria me lembrar mais. Não existe memória seletiva.

A minha glória, em dias sem teto branco para olhar. A minha desgraça, em dias sem céu azul. Nesses dias, sonho com um novo começo diário. O dia em que todos os dias pudessem ser como a noite de Ano Novo. Uma vida inteira jogada para trás, apenas novas possibilidades a partir de agora.

Mas sempre tem um pequeno ato alheio, o refrão de uma música, um olhar de relance para me relembrar do teto branco. Tudo volta. Tenho saudades do moço bonito naquela tarde em que ventava tanto. Tudo muito simples, ainda não havia um passado, dias de construir o presente.

E nunca mais, quando nos lembramos, construímos o dia-a-dia. Esquecemos.

Algum dia será tudo memória. Histórias que apenas eu e ele sabemos, que por uma fração de segundos, algum dia tentaremos relembrar, e não saberemos se estamos apenas inventando. Retocando, você prefere dizer, porque aí tudo deslizará mais fácil, tudo perderá a sua tensão, e nada mais doerá como antes.



Monday, May 21, 2007

Vida de espera


Hachiko chegou em Tóquio em 1924, pouco depois de nascer, em Odate. Era um cão Akita, prestes a conhecer e a se perder na cidade grande. Seu dono era o respeitável senhor Hidesamuro Ueno. Um homem bem metódico, do jeito que os cães e sua natureza essencial, repetitiva e quase mecânica, tanto apreciam. Trabalhava como professor na Universidade de Tóquio, no departamento de agricultura. Homem que amava a natureza e os bichos. Tivesse vindo para o Brasil, provavelmente moraria no interior de São Paulo para cultivar tomates, alfaces e muita cenoura.

Mas o sr. Ueno nunca teve a necessidade de sair do Japão por questões econômicas. Nunca saiu do país. Pra falar a verdade, nem chegou a ver a Segunda Guerra. Ele era um homem que gostava de paz.

O cãozinho do sr. Ueno não se diferenciava dos seus semelhantes e devotava ao seu dono aquela fé adorável e algo tola e muito feliz que apenas os seres que amam demais e questionam de menos podem ter. Dia após dia via seu dono sair de casa, de manhã, para ir trabalhar. No fim do dia, Hachiko não segurava a ansiedade e ia de encontro ao seu dono, perto da estação de trem de Shibuya, onde o sr. Ueno desembarcava para, acompanhado de seu cão, retornar ao lar.

Dias felizes, de um cotidiano ordinário, comum, de um homem solitário, amante dos cães, das alfaces e dos tomates. Um professor honrado, que encontrou o equilíbrio naquele cotidiano tranqüilo de calmos dias sem guerras.

Mesmo longe das balas e do campo de batalha, o sr. Ueno não podia escapar da sina de todos os que um dia nasceram e do dia-a-dia obediente que segue à risca a ordem natural das coisas, da tradição genética, cultural e ancestral. Como todos os outros donos de cachorros, como todos os professores, como todos os amantes da natureza, o sr. Ueno sucumbiu à sua natureza de ser humano e morreu. Desgaste natural das suas funções biológicas.

Hachiko não entendeu direito o que estava acontecendo. Ele tinha pouco mais de um ano, mas, mesmo se tivesse mais idade, não entenderia. Mesmo que não fosse um cachorro, não aceitaria. Seria muito mais fácil viver naquele mundo particular, imune ao que estivesse acontecendo na realidade conhecida como a normal.

O sr. Ueno, que odiava quebras no seu cotidiano, não voltou para casa. Morreu lá mesmo na universidade. Deve ser algo bem estranho não voltar mais para casa.

A casa continuou lá, apenas mais solitária, e Hachiko ficou aquela tarde na estação de trem, esperando pelo sr. Ueno. Pela primeira vez em sua vida, o sr. Ueno dava um bolo, e não comparecia a um encontro.

Hachiko não entendeu nada. Em sua jovem mente, já estava programado, de forma indelével, aqueles encontros diários.

Arrancaram de Hachiko a sua paixão por regras cotidianas. E Hachiko não tinha mais para quem devotar toda a sua atenção e aquilo que se convencionou chamar de amor.
Hachiko continuou aparecendo todas as tardes. Quem sabe o sr. Ueno não apareceria, de repente, o maior atraso de sua vida, todo atrapalhado e pedindo desculpas. “Fui comprar cigarro, mas não tinha a minha marca”, ele diria, para reprovação de Hachiko, que não entenderia por que, àquela altura do campeonato, seu dono resolvera entrar para o mundo dos fumantes. Naquele tempo, havia apenas o mundo dos fumantes e dos não-fumantes.

Durante 11 anos Hachiko continuou indo à estação de trem. Muitos ficaram comovidos. Quem acreditava no coração, via em Hachiko um exemplo único de amor e fidelidade ao ser amado. Estas pessoas acreditam que o ser humano tem muito a aprender com os bichos. Outros, que acreditavam mais na mente, acham que os bichos apenas imitam o ser humano. Ou melhor, que humanos também são bichos, no final das contas, e que certos atos de ambos são muito parecidos, o que acaba dando mais ou menos na mesma. Para estes, Hachiko até amava seu dono, mas amava muito mais aquele monte de restos de comida que os que acreditavam no coração, emocionados, davam para o cão persistente. Hachiko morreu de barriga cheia e com um sorriso no rosto.

Seja o dono morto, seja a comida, Hachiko amava algo. Talvez já no fim da vida tivesse apenas uma vaga lembrança dos carinhos do sr. Ueno. Sua ida diária à estação de trem já tinha outros significados, outras motivações, e chegou um momento em que Hachiko ia para lá apenas porque tinha que ir.


Como Adèle H., a filha de Victor Hugo, que, largada pelo amante, continuou durante anos obcecada pela sua paixão, até que a obsessão virou loucura, o rosto do amante, uma vaga lembrança, e o amor, uma entidade ainda mais abstrata, auto-sustentável, descolada de uma referência real. Quando, muitos anos depois, cruzou por acaso com o ex-amante na rua, não o reconheceu. Ela se lembrava de que amara alguém, algo, mas nem sabia mais quem era o foco de tanto amor. A fome de amor continuava, mas ela se tornara impossível de ser saciada.

Hachiko continua lá, na estação de trem. Os que o amavam ergueram uma estátua, à saída da estação de trem de Shibuya, em sua homenagem. Shibuya é um dos bairros mais decolados e modernos de Tóquio. É nele que tem aquele cruzamento absurdo que aparece em tudo que é filme e cartão-postal de Tóquio.


Quando abre o sinal para os pedestres, surge uma multidão de todos os lados. É fácil se perder no meio da multidão, enquanto os olhos e os ouvidos ficam hipnotizados pelos luminosos e coloridos prédios gigantes. Neste cruzamento, a expressão “apenas mais um na multidão” ganha novos significados, porque é isso mesmo, literalmente. Você perde seu rosto.

Os jovens dominam Shibuya. Todos com os melhores cortes de cabelo e as roupas mais adoráveis, à procura de amor, querendo ser vistos por alguém, admirados por qualquer coisa que seja. Não ser apenas mais alguém com cabelos pretos e olhos castanhos.

E a estátua de Hachiko é o principal ponto de encontro dos jovens. Todos marcam seus encontros com os amigos, amantes, ficantes, inimigos, usando a estátua de Hachiko como ponto de referência.


Durante todo o dia, Hachiko continua sua vigília, enquanto dezenas de jovens ficam lá, solitários durante eternos minutos, enquanto aqueles por quem esperam não chegam. Ficam concentradíssimos em seus mais modernos celulares, enviando enlouquecidamente dezenas de caracteres em mensagens de textos.


Muitos voltarão para casa sozinhos, ou irão ao bar sozinhos, para conhecer outras pessoas.


O grande problema é que Hachiko nasceu numa era em que não existia telefone celular. Por isso ele espera e sabe que seu grande amor nunca iria lhe abandonar.

Wednesday, May 16, 2007

100 pernas



Tinoko já fazia parte da mobília de casa. Chegando tarde, cansado e esfomeado, achava perda de tempo preparar alguma coisa para comer. Achava desperdício de energia arrumar a cama. Vou acordar amanhã cedinho mesmo, ele decorava sempre os mesmos argumentos, está tão de noite, deixo pra comer amanhã. Já treinei meu estômago. Vou dormir tão pouco mesmo, pra que cama? Além disso não quero poluir meu travesseiro.

Ele já era parte da mobília de casa, e sua especialidade era se transformar no Homem-Sofá. Tinoko era um verdadeiro camaleão, adquirindo a capacidade de se confundir com o meio. A harmonia com o ambiente ao seu redor era tão grande que, às vezes, se esquecia de existir. Mas ele garante que, quando some durante o sono, e apenas o velho e desgastado sofá aparece solitário na sala, com aquele buraco e sua mortífera mola-osso exposta (e lembrar que tudo começou com uma inocente bituca de cigarro), ele está invisível apenas para os olhos de Tonika.

Tonika, já no final da história, queria apenas um lugar quente e macio para apoiar a cabeça. Servia um sofá com a mola-osso exposta, servia a coxa de Tinoko, a essa altura já um molde vivo da cabeça de Tonika. A cabeça de Tonika em sua coxa já fazia parte de seu ser, do mesmo modo como ele era um pedaço daquele sofá, daquela sala, daquela casa.

Mas Tonika vai partir e terá que achar um novo sofá. Tinoko não sabe bem o que fazer com a sua coxa, que carrega um molde único, agora inútil. Até amputaria a perna caso não precisasse dela para outras coisas.

Provavelmente Tinoko terá uma paisagem ainda maior pela frente. Poderá se transformar em sofá, em cama, em geladeira até. Terá então várias noites para não preparar o jantar, e não arrumar a cama, porque vai acordar cedo mesmo, e é perda de tempo se preocupar com detalhes tão breves, se a noite é curta assim.

Tinoko terá que fazer uma bela faxina. Terá que revirar seus armários, esvaziar suas estantes, colocar suas roupas para tomar um pouco de sol. Tinoko tem que ouvir de novo seus velhos CDs, reencontrar os livros que moldaram sua vida e fazer as primeiras sessões de cinema de sua coleção particular. Tudo para tentar se lembrar de quem era antes de se transformar no Homem-Camaleão e quem, afinal, largou aquela bendita bituca.

Sunday, May 13, 2007

Talvez amor


Esperei tanto por você e não me incomodei quando, enfim, você não apareceu. Apenas tentando deslizar suavemente, já que parecia tão fácil, eu apenas ia imitando e tentando fazer igual, mas você nunca mais. Passou tanto tempo, e já não me lembrava se eu era uma pessoa caída que às vezes se levantava ou se ficar de pé era meu estado natural, e a queda, apenas ocasional. Tudo estava agradável agora. Tudo já era conhecido. Alegria generosa. Tranquilo, sem dor. Tentar imitar, não é sempre assim? Os primeiros passos, a primeira escrita. Só tenho dúvidas em relação ao primeiro som. Quer dizer, o primeiro som aqui, do lado de fora, o berreiro. Quem é que estamos imitando então? É um instinto tão primeiro, tão primitivo, que já vem gravado dentro da gente? Programados? Quando enfim você chegou, eu não sabia se era você. Mas isso é o que menos importava. Quis abrir o berreiro, lembrar os velhos tempos. Não conseguia mais lembrar seu rosto, uma vaga lembrança do seu cheiro. Eu também tinha algo para te contar, mas não fazia mais a vaga noção do que eu queria tanto te contar. Talvez amor.

Sunday, April 29, 2007

O que aconteceria se....


A mãe da minha mãe morreu ontem. Tinha 91 anos, foi de velhice mesmo. Morte tranqüila, sem sofrimentos, por isso um clima não pesado no velório, claro teve uns momentos tristes, lágrimas e tudo o mais, mas tudo foi muito sereno. A começar pelo jeito que ela se foi. Minha vó mesma falava que estava cansada de viver, que já tinha vivido o suficiente, e que queria morrer este ano ainda, de preferência. Como tinha muito tempo livre, entre outras coisas, já tinha decido qual roupa queria usar no dia de seu velório. Descobrimos, ontem, enquanto arrumávamos as suas coisas (ela morreu no quarto dela), uma pastinha com tudo detalhadinho, nos mínimos detalhes: o que colocar junto ao caixão etc. etc., coisas que realmente não pensamos muito quando somos jovens (entre essas coisas, uma foto e uma poesia de meu jovem primo morto durante um assalto há uns anos).

Ela chegou ao Brasil em 1933. Veio do Japão com uma irmã, dois irmãos, o pai, e meu avô. Eu realmente fico pensando e me admirando, cada vez mais intrigado, sobre as razões que os fizeram vir para cá. Era entre-guerras, vale lembrar. O Japão não era nenhuma potência econômica ainda, pelo contrário. O trajeto, que hoje demora umas singelas 24 horas para ser feito de avião, naquela época levava seis meses de navio. As informações não circulavam naquela época, claro, então para um japonês tentar visualizar em sua mente o que era o Brasil e o que era um brasileiro devia ser mais difícil do que, sei lá, tentar se imaginar dentro de uma equação matemática e ter que tomar o café da manhã com logarítimos. Você pode nunca ter ido para Botsuana, mas se for no Google Images terá uma vaga idéia de como é por ali.

Ah, sobre a coisa do navio. Volta e meio leio relatos sobre a diferença entre os navios de imigrantes japoneses e imigrantes de outros países. Dizem que os setores japoneses eram os únicos que eram mais organizados, e que eles eram os únicos que tentavam se manter aprumados. Afinal, imagina o que é ficar morando durante seis meses num navio, com doenças e vírus e calor e suor correndo solto. Não deve ser fácil, e deve chegar uma hora que todos viram meio que bichos mesmo, sem culpas.

E em Tóquio, uma das coisas que mais me impressionaram foi a obsessão deles pela limpeza e coisas do tipo. Vários deles usam máscaras. Quando eles ficam resfriados ou gripados, eles usam máscaras. Eles têm tanta preocupação com o coletivo que usam a máscara para não contaminar as outras pessoas. Fumar na rua é proibido. Tem áreas nas esquinas reservadas para fumar. Durante minha estadia lá, não vi uma sujeira, uma bituca de cigarro jogada no chão. Do navio pra avião, certas coisas não mudaram.

O pai do meu pai também morreu este ano. Foi no mês passado, e ele tinha 95 anos. Morava no interior de São Paulo, até uns 3 anos atrás ele comia aqueles torresminhos gigantes, sabe?. Comia sem constrangimentos, e sem nunca ter ouvido falar que aquilo fazia mal para a saúde, e sem se preocupar que ele não tinha mais dentes. Chupava como se fosse uma bala, e era um barato ver ele se deliciando com seus torresmos. Também morreu sereno, calmo, sem sofrer nenhum dia. Um belo dia estava tomando banho (ele conseguia tomar banho sozinho) e puf, passou mal, caiu no chão e pronto.

Fomos lá em Lins assim que conseguimos. Foi estranho chegar lá e não ver o meu avô todo encolhidinho no canto da sala. Ele tinha uma poltrona predileta, que era só dele, e ficava lá quase o dia inteiro, atolado no sofá, todo torto. Nunca tinha ouvido falar que fazia mal para a coluna. E senti falta dele me perguntando quando eu ia me casar.

Minha avó veio lá de Nigata, Japão. Meu avô, não faço idéia. Dizem que nasceu no navio, ou que veio ainda bebê de colo, nunca me confirmaram direito essa história. Ela até o fim da vida era uma japonesa de raiz, teimosa e blasé que nunca aprendeu a falar português. E eu nunca aprendi a falar japonês; ou seja, nunca tivemos um diálogo de verdade. Mas, entre as lembranças legais de infância era que ela adorava as novelas das oito da Globo, nos anos 80. Ela assistia, não entendia nada, e assim que terminava a novela, ligava aqui em casa e minha mãe explicava tudo que tinha acontecido naquele capítulo.

Meu avô, ao contrário, tinha pouco de japonês. Até pelo estilão dele. Fazia um look meio tipo Cartola, sabe? Chapéu, camisa social branca, sempre impecável, um típico brasileiro do interiorzão. Era bem escuro também, talvez porque lá é quente e faz um sol dos infernos.
E ele falava português com todo o sotaque típico do interior.

Com ele tive conversas ótimas. Me falou, entre delírios sinceros, que quando era jovem, teve mais de 100 namoradas. Que sabia tocar violão, que tinha jeito pra coisa. Mas, que tinha uma família para sustentar e que tinha que trabalhar na roça. No fim da vida, tava desencanado de tudo. Eu vibrava quando ele escarrava no chão. É, ele cuspia no chão, dentro de casa. Tava nem aí, mó punk. Na velhice, os freios sociais desaparecem.
Saudades também do meu pai, que se foi em 1994.

Vidas lindas, admiro todos.

E lá na breve passagem pelo Japão, claro que não deu pra não ficar pensando em montes de coisas do tipo “o que aconteceria se...”. E se o governo japonês não tivesse incentivado que seu povo viesse ao Brasil, país onde a propaganda dizia que o ouro nascia em árvores? E se eles realmente tivessem ficado ricos, como a propaganda do governo prometia, e eles tivessem voltado ao Japão em poucos anos?.

Daí, naquele monte de japoneses, eu me misturo na multidão, mas sou um farsante. Não sou um deles, apesar de parecer. E daí lembro que desde que nasci, sou o “japa” aqui no Brasil, e por mais que a mistureba racial no Brasil seja geral, nunca sou tratado como um brasileiro. E de onde eu sou, enfim? E, lá, claro, eu sou um brasileiro tosco que tem antepassados que supostamente pularam fora do barco afundando e foram tentar a sorte em outro país.

E, claro, fico imaginando se meus avós não tivessem tido a maluca idéia de ter vindo ao Brasil, talvez eu estivesse lá, em meio aos trens-balas e aos enormes anúncios de néon e às maravilhas do Primeiro Mundo e dos estudantes que se matam porque foram mal na escola. Me dei bem? Me dei mal? Não sei de nada, muito menos a roupa que vou usar no meu último dia.




Sunday, April 22, 2007

Por isso eu ouço demais


Estava ali e agora e era assim que tinha que ser. Mesma terra, mesmo fuso horário, agora não dava mais pra fugir. O problema foi ter visto coisas demais, conhecido cidades demais, encontrado pessoas demais, muita informação a deixou apenas com um estoque inesgotável de imagens pela cabeça, impossíveis de serem varridas. E o que fazer, agora, com aqueles sons que também prometiam nunca mais lhe abandonar?

Durante alguns poucos dias, Maria Antonieta viveu 12 horas à frente, e não soube o que fazer com tanta sabedoria acumulada que não lhe servia pra nada. Estava à frente, era um fato inegável, mas não conseguiu tirar vantagem de viver no futuro. Talvez se descobrisse o resultado da Mega-Sena acumulada, e retornasse as tais 12 horas, até haveria uma chance de viver no macio. Mas 12 horas nunca serão suficientes, e é o máximo que Maria Antonieta atordoada conseguirá viver. Um poder que não lhe dava nenhum poder. Mas, orgulhosa, gostava de ostentar um pescoço à prova das guilhotinas de lâminas mais afiadas.

O corpo doía, o sono era latente. Não, não era assim. Estava agitada, não saberia mais o que é dormir. Seus 25 metros quadrados de vida seriam a confirmação diária e matinal: sim, você está de volta, e aqui todos enxergam a Mulher-Invisível, para cada Batgirl, disque DD-Drim.

Não era de todo mau a dimensão reduzida do apartamento, afinal nunca gostou de ter muito trabalho. Mas essa coisa de ter cozinha, banheiro, quarto e escritório tudo num mesmo ambiente começava a lhe incomodar. Ervas finas no meu macarrão não combinam com esse frio acento de vaso sanitário que comprei com tanto esforço. Paguei uma fortuna, lembrava com um sorriso. E os dedos doíam de tanto apertar o controle remoto.

Agora a vida seria assim, de vagas lembranças e casas apertadas.

Mas quando o aperto era demais, havia sempre a varanda, seu verdadeiro lar, e havia sempre espaço para abrir os braços e abraçar aquela planta com nome de mulher. Nunca mais passarei fome, prometeu, ....Scarlett O’Hara que era, e nunca mais me sentirei sozinha, chorou emocionada, com os punhos cerrados.

Dobrava os joelhos, ia sentando aos pouquinhos, com as costas encostadas naquela parede de mil musgos. Era o espaço ideal para relembrar aqueles sons. Que ficaram grudados à cera mais consistente dos labirintos dos canais auriculares. O acupunturista não achou nenhum problema. Moça, está tudo bem com você. As agulhas sorriem quando lhe penetram, apenas aprenda a circular. Se os sons invadem sua vida, faça com que se sintam em casa, ora. Mas, doutor, eu sou toda ouvidos. O problema é que não entendo nada do que eles falam. Sou monoglota. Eu não entendo o que eles falam. Mas o barulhinho é bom.

E não é sempre assim?
Não?
Sim.

Saturday, April 21, 2007

As coisas da vida



Sim, não é todo dia que a vida é assim.
Então, aproveite.
Meu corpo dói, não conseguirei mais dormir.
Eu tenho noção, e você não se importa com isso, graças a Deus.
A vida é fácil, você sabe.
Hoje não quero saber de mais nada.

Você me salvou hoje à noite, e é isso que importa. Podemos dançar a noite inteira, e você não irá se importar com as minhas caretas. Eu também não te julgarei por nada, só por hoje à noite.
E é por isso que nunca te pedirei nada em troca. E é por isso que te sorrio sem pensar em razões para sorrir. Quero ver você amar, quero amar, quero pensar em quem amei, com todo amor do mundo. Enquanto eu danço, um mundo gira. Eu me lembro de cada história. Cada uma delas, nos mínimos detalhes. E sorrio.

Não fico mais triste, hoje não há por que chorar. E você pensa no casamento que não aconteceu, e eu falo nos casamentos que eu assisti. E eu falo que a gente não precisa ter pressa, e você, tão subitamente pessimista, desaba. Eu caso, tu casas, ele casa. Nós casamos, vós casais. Eu quis escolher, eu não quis você. Mas teve o dia em que você não me quis, então não há por que chorar enquanto nós não casamos. Sim, não é todo dia que a vida é assim. Vamos apenas aproveitar. Tudo é muito simples, você sabe disso, meu amor. Vamos aproveitar cada minuto. Não é todo dia que a vida é simples assim. Quero que você assista aos meus amores. Semana que vem, vamos ler o livro da vida.

Sunday, April 15, 2007

Toquio


Ainda nao deu tempo de assimilar tudo, e sei que nem vai dar. O tempo eh curto. Estou em Toquio ha dois dias, como jornalista da Folha, para assistir ao Homem-Aranha 3, a convite da Sony.

A primeira conclusao eh: Sofia Coppola pegou leve em Encontros e Desencontros. Claro, eh tudo aquilo que esta la no filme, mas a confusao parece ser ainda maior.

Em horarios mais movimentados, deve ser horrivel para quem tem fobia social. Tem muita gente, parece uma grande 25 de Marco em epoca de Natal.

Quem nao fala ou entende japones, tem que rebolar. Sou neto de japoneses, mas nao falo o idioma. So aprendi a falar Sumimassen, nihongo shaberemassen, que eh, Desculpa, eu nao falo japones. Ja perdi de conta o numero de vezes que falei essa frase. E o engracado eh que muitas vezes a pessoa continua falando comigo em japones.

Essa historia de que os japoneses mais jovens falam ingles eh lenda.

Pra comer, tambem eh uma aventura. Ainda nao achei restaurante com menu em ingles. Entao, o negocio eh apontar pra alguma foto ou pra comida do sujeito ao lado para mostrar o que vc quer comer.

Eu tenho me divertido, me fingindo de japones no meio dos japoneses. Comi algumas vezes em uns lugares que servem comida no balcao. Tem uma maquininha tipo daquelas de cafe, com foto, gracas a Deus. Vc poe a moedinha la, sai um tiquete, e o unico trabalho que vc tem eh entregar o bilhete pro atendente. Que nao te pergunta nada. Antes de fazer qualquer coisa, fico um tempao olhando pra imitar.

Tambem resolvi comer obento, que eh como se fosse uma marmita. Vc vai na loja, compra, e tem umas pracas em que as pessoas ficam comendo ao ar livre. Tambem me fingi de japones e comi. O unico problema foi saber onde jogar o lixo. Sao varios lixos, e vc nao pode simplesmente sair jogando. Tem um pra objetos reciclaveis, outros pros nao reciclaveis, um pra garrafas de plastico etc....Fiquei meia hora olhando, mas acho que devo ter jogado no lugar errado.

Como estou a trabalho, nao deu pra passear muito ainda.

Mas ja dei uma volta rapida por Shibuya, Roppongi e Harajuku. Nao tem equivalente em Sao Paulo, mas se vc forcar a barra, da pra dizer que tem a ver com a rua Augusta e a Vila Madalena.

Bem, quando voltar pra SP, conto mais.

Sunday, April 08, 2007

O cineminha vai ao cinemão




O armário está aberto há horas, todas as roupas sumiram. Você pode achar uma bobeira, se estivesse no prédio em frente, e visse pela janela uma mulher só de calcinha a entrar e sair do banheiro. Nenhuma roupa servirá hoje à noite. É tudo uma grande bobagem, você riria e me humilharia. É apenas um filme, você diria.

É apenas um filme. Mas ando com medo de duas horas intensas.

Não é apenas um filme, eu sei retrucar, ainda não irritada. Em duas horas posso ver impérios sendo construídos e destruídos. Posso ver aquele momento em que a vida do moço bonito começa a descer ladeira abaixo. E terei que abandoná-lo em seguida. Como me comunicar com quem já não está entre nós? Não estou pronta para ver o filme da minha vida. Não hoje à noite.

Não consigo viver à base de pedaços. Quero saber o antes, o que veio antes do antes, e gosto de previsões. Não conseguirei prestar atenção no filme. Às vezes acho que não há ônibus nesta cidade.

Qualquer coisa vai servir. Há tempos não entro numa sala escura. Não sei o que fazer. Conversar? Pegar na sua mão? Gosto de ficar em casa. Há mais espaço no sofá.

Sei que vai ser ruim. Não tem nenhum filme bom em cartaz na cidade. Não tem histórias boas nesta cidade. Não gosto do escuro. E não consigo dormir. Se eu não durmo, eu não sonho.
Por que ele demora tanto?

Por que eu não consigo lembrar seu endereço?

Preciso parar. Eu sei que as pessoas são gentis umas com as outras porque a gente imita. A gente só imita, mas não sabe por quê. Mas eu insisto em acreditar. Preciso parar porque há tempos não compro roupas novas.

Eu não consigo lembrar da última vez. Quer dizer, de relance, lembro que era bom. Que a gente sorria, mas nada mais. Acrescento uma música de fundo, reescrevo diálogos. Reenquadro as cenas, me vejo falando, discutindo, tomando-a nos braços. Me vejo na cama. Mas sei que não foi assim. E de onde tirei essas cenas? É o melhor filme que eu já vi na vida.

Mas eu não quero parar. Como dia após dia, como despertador tocando após despertador tocando, como cara amassada no espelho após cara amassada no espelho. Eu vou.

Eu sou daqueles que vêem o mesmo filme várias vezes. A primeira é só para falar que vi. Na segunda, finjo ansiedade, mas sei o que vai acontecer. Acho que só assim para me sentir um deus. Mas nunca tive vocação para isso. Acho que prefiro nada saber. Na terceira, brinco de memória. Sou adivinho. Sei o que cada um vai dizer ao outro. Sei que agora a moça não vai beijar o moço, mas que daqui a 40 minutos, eles estarão suando e balançando a cama. Não há fim.

Quero acreditar em você. E ver de novo histórias previsíveis.