Monday, February 07, 2011

Vida de cinema





Christian Bale é o atual Batman, já foi o Psicopata Americano, embarcou no Exterminador do Futuro, já foi Operário, Sobrevivente, mas não importa. Sempre que vejo um filme com ele, acabo vendo aquele garotinho chato e mimado de "O Império do Sol" que, depois de tanto levar na cabeça, adquire uma incrível maturidade e braveza.

Talvez porque ali, naqueles olhos tristes, já estava a marca do grande ator que viria a se tornar, hoje favorito a levar o Oscar de coadjuvante por "O Vencedor". Talvez porque eu tenha visto o filme ainda criança, quase com a mesma idade dele na época. E porque desde aquele momento, Bale só iria fazer papéis esquisitos, desafiadores (claro, com alguns desvios de percurso aqui e ali). Mas quem é Bruce Wayne senão uma versão milionária do garotinho desgarrado dos pais de "Império do Sol"?

Bale comete exageros. Sua interpretação em "O Vencedor" é repleta daqueles contorcionismos que a Academia gosta. É na linha Robert De Niro de ser. Metamorfose física numa atuação expressionista. O personagem, Dicky Eklund,um ex-boxeador viciado em crack, pedia.

Mas ainda assim em Dicky, lá está Bale. O melancólico ator que se mistura ao triste personagem, sempre rodeado de "amigos" e familiares, ao mesmo tempo tão solitário e tão intenso que às vezes parece não dar conta de si.

Na mesma trilha, em caminho oposto, está Natalie Portman. Também começou no cinema criança, com a mesma idade de Bale, 13 anos. É a grande favorita ao Oscar.


"Cisne Negro" lida com certa imagem pública de Natalie. É a garota-prodígio, bela, que não comete deslizes. Perfeita nas atuações, moça bem-educada. Às vezes até chata de tão bem comportada.

Com os rostos conhecidos é assim. Dependendo da nossa idade e da idade dos atores, levamos uma vida paralela. Enquanto entramos na faculdade, lá estão eles fazendo um importante papel de adolescente no cinema. Quando conseguimos o primeiro emprego, lá estão ele sendo indicados pela primeira vez ao Oscar. Quando nos casamos, lá estão eles nas revistas de celebridades dando vexames e sendo flagrados bêbados.

Acompanhar a carreira de atores como Bale e Natalie, no cinema e fora dele, é uma espécie de reality show. E é aí que o cinema, e a competência do ator, se mostram poderosos. Porque, quando vemos um filme, não podemos ver o ator. Não podemos ver "ah, lá está Christian Bale interpretando fulano". Para um filme ser crível, é necessário abstrairmos, e vermos primeiro o personagem e, depois, o ator.

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A família é o que move "Cisne Negro" e "O Vencedor". Por isso, mais interessante do que as cenas de treinos, é quando vemos Natalie e Bale em família. O relacionamento quase fantasmagórico de Natalie com a mãe, apesar de repetir elementos de filmes de terror, mais claramente "Carrie, a Estranha", repressão sexual etc. etc., é um dos mais bem resolvidos do filme.

Mas prefiro o "expressionismo realista" de "O Vencedor" ao expressionismo de butique do "Cisne Negro". Darren Aronofsky é daqueles cineastas que levanta muita poeira, adora chocar o espectador para deixar uma marca constante. Mas as dores que ele causa incomodam na hora. Após um tempo, sobra pouca coisa. Não por acaso, seu filme mais memorável, cuja dor permanece latente, é o seu mais realista, "O Lutador".

E o grande achado de "O Vencedor" são as irmãs e a mãe de Bale. Funcionam como um ente único, uma criatura só de várias pernas, braços e cabeças. Lembram aqueles desenhos animados tipo Smurfs, e, principalmente, aquela gang de mafiosos da Corrida Maluca. Pior é saber que criaturas assim funcionam na vida real, caricaturas ambulantes.

Em certo momento, a estética "tosca" de "O Vencedor" estava começando a me incomodar, mas quando o personagem de Bale assiste ao documentário sobre sua vida, tudo começa a fazer sentido. É a realidade-ficção dentro de um filme baseado em fatos reais. A simulação da verdade é a chave para se entender o cinema contemporâneo.

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