
Eu vou descobrir um dia.
No último dia do mês, tirou o calendário da parede e colocou sobre a mesa 30 momentos de memórias passadas. Lembretes, contas mal pagas, encontros sem fim, em letras tremidas e resumidas, carregando o saudável desconhecimento do que estava por vir.
Mas agora ele sabe. A prova de pequenos fracassos e felicidades que quase não cabem em pequenos quadradinhos ao redor de números é a sua leitura necessária às vésperas do começo de um novo mês.
Pois ele gosta de acreditar que a vida existe em ciclos e que, na renovação, uma nova chance surge, mais 30 e poucos quadradinhos brancos, prontos para serem preenchidos, tentando não tremer na hora de definir o imprevisto. Na ânsia por um recomeço, já dava por terminado o dia que apenas começava e virou a folha e pendurou um novo mês na parede.
Não sei como começar.
Ele tinha pressa.
E tinha medo. Porque ele se lembra demais, e novas informações não são permitidas, elas sempre ficam fora da sala. Ele está ocupado demais com tudo que já sabe, era daquelas crianças que só gostavam de ver filmes repetidos, e ficava aguardando com ansiedade por aquela parte que já sabia o que iria acontecer, como se fosse um pequeno Deus, a tirar as palavras da boca do gato e do rato, a saber o tombo, a saber sobre o futuro, um pequeno poder que seja, uma pequena ilusão, por favor, nem que seja por alguns instantes. Preciso iludir a mim mesmo novamente.
E o que farei quando a reencontrar?, já que, a essa altura, ela não deve ser mais ela, muitas coisas aconteceram, 30 e poucos quadradinhos dão um bocado de trabalho, e quando eu a vir, vou enxergar aquela adorável silhueta, e vou tentar me reconectar, e tentarei reconectá-la naquele molde confortável que já conheço, mas que já é tão verão passado, tão 10 de setembro, torres inalcançáveis -éramos felizes antes do desastre e não sabíamos-, mas essa será minha referência, e minha senha
para a minha frustração.
E tentarei sorrir velhos sorrisos, e fazer com que a piada contada pela segunda vez tenha graça e uma surpresa arranjada, mas não somos mais crianças para esperar o rato morder o gato novamente, e sem torcida, eu serei apenas um tolo a carregar tantas memórias vencidas. Hoje ela é apenas a imagem que eu tenho dela, e isso me assusta um tanto.
Quero descobrir um dia.
3 comments:
Sei bem como é isso. Não tinha pensando no calendário assim. Em cada quadradinho está tanta coisa guardada mesmo.
Adorei seu espaço. Voltarei aqui sempre.
Bj
vamo na fun house? :)
Tenho grande dificuldade em aceitar esse tal conceito de "literatura feminina"/"literatura de mulher" que insistem em construir no presente. Deve ser porque vez por outro sinto-me menino e adoro os meninos sinceramente frágeis como você.
Parabéns pelos textos. Curti.
Post a Comment