Tuesday, March 28, 2006

Pássaros no quintal


Ela começou a me contar a história de um passarinho que um dia tinha caído lá no quintal de sua casa. Ele se debatia e mexia as asas, mas não conseguia levantar vôo. Imaginei que tivesse desaprendido a voar. Coloquei minhas mãos em formato de concha para pegá-lo, sem sustos, ela me dizia.

Ele se movia conforme o desespero dos pássaros, tão pequeno quanto frágil. Tentava fugir de mim, aquele bicho que não queria voar, e tentava aprender a andar, aquele pássaro que não queria o ar e queria a terra. Foi então que olhei nos olhos dele, e só então reparei que ele nunca soubera voar.

E então, o que você fez?, quis encerrar logo a conversa. Coloquei o bicho numa gaiola, só nos primeiros dias, para cuidar dos ferimentos. Ele sarou rápido. Tempo depois, tentei soltá-lo, claro, eu que choro só de ver passarinho em gaiola. Não deu certo.

E por que você não o largou de cima de um prédio, pra forçar o folgado a bater as asas? Foi quase isso. Mas ele devia ser meio suicida. Arremessei aquele passarinho, com toda a minha força, para o mais alto que consegui. Mas ele voltou caindo como uma pedra, e não teve jeito. Abri as mãos em concha para salvá-lo mais uma vez.

E mais uma vez ele me dizia com aqueles seus olhos escuros que o fato de ser um pássaro não significava nada. Ele não queria saber de voar.

Assim, ela terminava de me contar a história do passarinho no quintal de sua casa. Foi então que me vi homem-pássaro. E aquela mulher, que eu agora olhava com novos olhos, se tornava uma mulher-pássaro.

Você esteve lá no céu alguma vez, querido, ela me perguntava. Não, você não faz idéia do que é o céu. Você nunca esteve no céu. Eu vi tudo o que é possível ver no céu. Só não me lembro de nada para te contar. Então você não viveu. E nunca esteve por ali.

E por que você preferiu esse asfalto onde os carros não andam, estas ruas que nunca levam as pessoas aonde querem chegar? Se você voasse, chegaria rápido, ou melhor, ao menos chegaria em algum lugar, enfim.

O negócio dela era contar histórias. E salvar pássaros que caíam em seu quintal. Mas volta e meia ela desaparecia também.

Da minha parte, as memórias iam me escapando. Não consigo definir qual é o destino. Ponto final de ônibus, para mim, é só uma ilusão, eu tentava explicar por que não queria usar minhas asas. Pena que só eu não conseguia entender.

Subo apressado, me esfrego naqueles corpos suados, gaiola das mais vagabundas, e vou te procurando entre um ponto e outro, mulher-pássaro.

Sei que você se esconde por entre os pontos de ônibus, e sei que uma hora você sempre diz que se cansa, para então perceber que só lhe resta dar o sinal e pedir para também subir e viajar ao meu lado.Mas você sempre desce quando eu me adormeço ao seu lado.

Quando me dou conta, sozinho, desço, pássaro caído do céu, vou caminhando pelo asfalto, em uma busca eterna, entre pessoas que andam, e vou entrando em novas gaiolas, para te encontrar por trás de cortinas.

Sei que você está atrás dessa cortina. Você, enfim, vai me mostrar para que servem suas asas. E agora sou platéia-ator que espera o momento certo de bater palmas. Posso entrar? É minha vez? Fique num lugar bem alto. Para você, quero bater as palmas da forma mais animada.