Penso
em você todos os dias, mas ainda não sei quem é você. Por enquanto, você é
apenas uma abstração, talvez uma extensão de mim, mas daí penso se não é sempre
assim. Tudo que nos rodeia, amigos, amores, parentes, trabalho, objetos,
discos, livros, apenas uma extensão dos pensamentos, gostos e paixões, imantada
e gravitando ao redor deste fugidio e tão ilusório senso de ser que
distraidamente chego a confundir com a tal da identidade.
Tento
imaginar como você seria no outro extremo, no fim de tudo, quando separados,
vamos nos afastando mais e mais até um se tornar uma ideia vaga, apenas um conceito destituído de carne que o outro
chega a confundir com aquele ser que lá naquele momento anterior era apenas um
desejo de si mesmo. Um manancial de potencialidades e futuros prazeres. Um ímã
sedutor porque nele eu me dissolvia e por breves instantes não tinha mais a
necessidade de ser eu mesmo, e, não tendo essa necessidade de reafirmação de
ser eu mesmo, era o caminho do encontro, e não precisava mais falar em eu. Um
ser tão amado que chegava a confundir comigo mesmo, e chegava a me questionar por que,
enfim, tanta necessidade de ficar me vendo refletido em seus olhos, e ficar
procurando pontos em comum, afinidades e diferenças irreconciliáveis, mas mesmo
nestas eu me agarrava porque na complementaridade me fortalecia. E não
precisava mais ficar citando tanto eu.
De
você, não sei muita coisa. Sei seu nome, seu rosto, o resto é tudo suposição,
construção, como um autor em busca de uma história, um artista com uma tela
branca. Como um ser humano em busca de um sentido de unidade, que precisa criar
uma narrativa básica de identidade para construir seu dia a dia, para não se
perder na imensidão da liberdade que é poder acordar cada dia e,
assustadoramente, não ser o mesmo de ontem, e a cada dia começar tudo do zero
novamente, como um Alzheimer que se inicia a cada manhã. Uma identidade para
levantar da cama, lavar o rosto, comprar um pãozinho na padaria antes de ir
para o trabalho. E, na volta, trazer um mimo para te agradar.
Você,
no entanto... ou, melhor, a vontade que tenho de você que ainda não conheço, é
uma busca por um aprimoramento e um compartilhar de vida e união de forças e
mentes e corações que retorna a um estado básico, dos tempos da aurora da vida
individual de proteção e reconhecimento e de aniquilamento da sensação tão
devastadora da certeza da solidão. Talvez pensar em você seja uma maneira de
somar um zero com um zero que resulta nem em zero nem em um. Não digo fusão,
confusão. Porque nos confundimos no amor, três meses de pura endorfina, sete anos
até a coceira da biologia bater e as crias já andarem por conta própria.
Você
e eu somos potencialidades ambulantes, cada um refletindo à sua maneira os
sonhos do outro, cada um enxergando no outro um poder adormecido, um objetivo a
ser alcançado, um braço a mais para remar neste barquinho solto num oceano de
horizontes sem terra firme. Você é um grande mistério, e assim eu tento te
desvendar, e ao tentar te imaginar eu vou me refinando porque vejo que é
necessário ser autêntico e verdadeiro e nada esconder, e que de nada adianta
ficar preso a algumas das
convenções mais devastadoras, a começar pela convenção de fidelidade a si
mesmo, já que o si mesmo ficou lá para trás, aquele que acordou pela manhã e
escovou os dentes já não é o mesmo que, agora, cansado ao fim do dia, retorna
ao banheiro para escovar os dentes antes de dormir.
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