Sunday, May 27, 2007

Moço bonito numa tarde de vento


Ela quer saber se os gatos têm memória. Já passou do teto branco às experiências de transmissão de pensamento.

Eles entendem, já ouvi dizer. E, não me lembro bem, eu já li em algum lugar sobre a memória dos gatos. Eram eles que guardavam apenas as lembranças mais imediatas? Ou seriam eles realmente clichês ambulantes, misteriosos, cheios de segredos e sabedoria? Não queria que meu oráculo fosse um felino.

Não me lembro. Li em algum lugar, em algum dia, em alguma revista. Qualquer informação me basta.

Mas gatos são leves, de uma leveza não só física, o limite não são os muros altos e os telhados e o mundo inteiro à disposição, e as brechas facilmente abertas, visíveis apenas para quem é muito rápido.

E leve.

Se lembrassem de tudo, pesariam. Não conseguiriam se mover, como se entupidos da mais assassina das lasanhas, e atolados na cama de gato mais aconchegante, comprada na loja de animais mais nova do bairro. Eles seriam pesados, como todos nós. Não queria me lembrar mais. Não existe memória seletiva.

A minha glória, em dias sem teto branco para olhar. A minha desgraça, em dias sem céu azul. Nesses dias, sonho com um novo começo diário. O dia em que todos os dias pudessem ser como a noite de Ano Novo. Uma vida inteira jogada para trás, apenas novas possibilidades a partir de agora.

Mas sempre tem um pequeno ato alheio, o refrão de uma música, um olhar de relance para me relembrar do teto branco. Tudo volta. Tenho saudades do moço bonito naquela tarde em que ventava tanto. Tudo muito simples, ainda não havia um passado, dias de construir o presente.

E nunca mais, quando nos lembramos, construímos o dia-a-dia. Esquecemos.

Algum dia será tudo memória. Histórias que apenas eu e ele sabemos, que por uma fração de segundos, algum dia tentaremos relembrar, e não saberemos se estamos apenas inventando. Retocando, você prefere dizer, porque aí tudo deslizará mais fácil, tudo perderá a sua tensão, e nada mais doerá como antes.



7 comments:

carolina said...

que lindo, adorei. fazia tempo que não vinha aqui, os textos estão fantásticos.

ia contar do blog novo, mas acho que você já descobriu. rs.

beijos,

Pedro Alexandre Sanches said...

olha!, o cara tem um blog! eu não sabia!, que legal!

já li um pouco, mas vou ler mais...

Simone Iwasso said...

sem memória a gente ficaria tão leve, né? mas acho que leve demais daí.... lindo texto, beijo!

Bruno said...

óia! O Pedro aqui!!! Vê sim. Que legal! Tô com esse blog faz uns 2 anos, mas de jornalismo jornalismo mesmo tem bem pouco aqui, o que pode ser bom

Bruno said...

Ei, Simone, ando meio obcecado por essa coisa da memória...vc gosta dos filmes antigos do Alain Resnais? Dá uma olhada. Ah, e obrigado, fiquei obcecado também pelo Murakami, de vez. Depois do Sputnik, já li o Norwegian Wood e tô agora com o Caçando Carneiros!

Mariana said...

Esse é meu preferido até aqui.
Será que memória é o cabelo que entope o ralo por onde escoam nossos sonhos?

Anonymous said...

Aprendi muito