Sunday, June 03, 2007

Toc toc, Plutão


Queira ou não, você é obrigado a se transformar. Basta ficar parado e, quando se der conta, você já terá altura suficiente para alcançar o topo do armário, aquele mesmo que algum tempo antes você tinha que escalar com uma cadeira. E o tombo não era raro.

Mas agora surgirá uma ajudinha extra. E, mesmo que, dia após dia, você tente fingir que as mudanças não acontecem, e que você atue religiosamente na sua rotina, como o melhor ator do Oscar e interprete com inegável competência e emoção o seu eterno papel de você mesmo, o papel vai mudar. É como se o diretor fosse demitido, e produtores mudassem o rumo da trama. Mas você continua atuando no papel principal, mesmo sem entender que novo filme enfim é esse. Interprete, com emoção, por favor.

E tudo porque Plutão, o planeta que não é mais planeta, mas que sempre será um planeta, já que não pode deixar um comprometido escorpião abandonado, resolveu ser o novo diretor.

David Lynch do espaço, Plutão chega quieto, dark, na dele, sem chamar a atenção de todos. A festa já está animada o suficiente, animadores de auditório são tão tediosos. No entanto, Lynch já sabe que o consciente e o inconsciente são irmãos gêmeos, um completando o outro, que o sonho é tão real quanto a lembrança de um ato passado, tudo se mistura por ali, numa massa única. E o que não é enfim real, se torna real depois de um tempo, e depois de mais tempo, pouco interessa, a mensagem chegou, ficou registrada, e produz filhotes.

Plutão, o mais distante dos planetas, 246 anos para passear pelo zodíaco e deixar uma marca por todos os signos. Quanto tempo não nos víamos, eu entendo que nunca existe a sua marca de cigarro favorito na padaria da esquina. Fidelidade obsessiva pela marca. Tem que ir de padaria em padaria da nossa galáxia.

O Pluto é o filho da Pluta, e sei que você precisa de um dia de santa e um dia de puta. De humor variável, entre 11 e 32 anos morando, namorando, sendo amigo de cada signo, amante constante, e deixando sua marca indelével. Novas vidas, dentro da mesma vida, você terá que aprender.

Porque Plutão é transformação, renascimento, a tal da Fênix que ressurge das cinzas, das cinzas não às cinzas, do pó para além do pó.

Ele manda avisar que ano que vem estará por aqui de uma vez por todas. Mas já deixa claro que 2007 já é seu de alguma maneira. A força não é pequena, já que tudo facilita, e já que 2 e 0 e 0 e 7 são 9, e 9 é a última etapa antes da renovação, e 9 carrega todas as experiências anteriores.

Zerar ou não zerar, eis a questão. Tenho medo de zerar, e mudar de papel, e não saber mais quem sou eu, quem é você. Mas um novo diretor pode salvar um filme fadado ao esquecimento, ou ao menos lhe dar uma nova cara mais simpática.

E 2007 é o ano de faxinas, e os velhinhos vão dando adeus, bye bye, século 20. O século 21 enfim começa. Estou preparado? Nunca estamos, mas é assim que tudo funciona.

Sentimentos bipolares, vou variar do mais extremo dos otimistas ao mais profético dos seres catastróficos, e lembrar de 1930, e dos vários ismos na Europa, e das grandes depressões nas Américas, e das primeiras e segundas guerras, e do derretimento das camadas protegidas da mente, e dos mergulhos de Jung e Freud. E o mundo nunca mais foi o mesmo. E a América nasceu, e mais 246 anos pela frente. Tudo porque Plutão trocou de casa, comprou roupas novas e tem sido visto em novas companhias. Dizem até que parou de beber.

Ainda há espaço para revolução, e para destruições, e reconstruções, e o mundo nunca mais será o mesmo. A história não acabou, nunca acaba, apenas nos esquecemos das histórias, apenas não nos damos conta.

Vou viver com você até 2024, e penso no que faremos juntos durante todo esse tempo, e quem serei eu, afinal, e se vou me reconhecer nesse novo eu, e em todos os filhos que você verá surgir de mim, e se vou gostar dessa companhia. E até não te encontrar de novo, lá por volta de 2200, quando meus netos e tataranetos enfim conhecerem você e te mandarão lembranças, e lembrarão para você tudo que eu sempre quis dizer na tua ausência, desde quando você foi embora, e não consegui encontrar as palavras certas para dizer um simples adeus porque enfim, eu estava tão mudado, e não sabia mais o que dizer, mas àquela altura, eu já era outro eu, então as frases não seriam mais as mesmas, mas um dia a mensagem chegará, alto e em bom som, ecoando a mais bela das declarações de amor.

3 comments:

bio said...

le bonheur, da agnès v.
"a felicidade é uma claridade", diz a agnès.

Rique said...

Puuuuuta texto!
Adorei o "david lynch do espaço"!
Há!

Bruno said...

hahahahah; li muito a Susan Miller, sabe como é...