Sunday, October 23, 2005

Perto demais

Viramos gente grande, mas continuamos fazendo lição de casa. E fazemos provas e tem toda aquela ansiedade para passar de ano. Só falta estrelinha da tia no caderno. E vamos emburrados pra escola, faça chuva ou terremoto, sol ou maremoto. Tem ainda os amiguinhos da firma. Sentamos lado a lado, como naquelas carteiras grandonas que tinha na escola. E lado a lado, estavam os “normais” e os “esquisitos”.

Falo disso porque hoje minha lição de casa, a missão do dia, foi ir ao Rio de Janeiro. Subir e descer morros, entrar em táxis para gritar, empolgado: "Siga aquele carro", e me sentir num filme de espionagem. Tudo para seguir uma banda de rock. A trabalho, que fique bem claro. Inspetor Clouseau, e não Bond, James Bond, que fique ainda mais claro. Por aqui há mais tropeços do que galanteios.

E o primeiro táxi que pára é dirigido por uma mulher. Aquela expressão cansada, de 40 e poucos anos envelhecidos demais, da dureza adquirida nas ruas, da profissão abraçada como que por falta de opção. E aquele preconceito (meu) ao entrar no carro e pensar, apenas pensar, já que a mente barra qualquer explosão inconsciente de falas, "Nossa, uma mulher". Sim, porque só o fato de ficar espantado já é um tipo de preconceito. Como se, pelo fato de 99,9% de motoristas de táxis serem homens, ser conduzido por dona Suely (esse é o nome dela) fosse algo estranho.

Eita palavrinha que tenho birra. Quer dizer, a maneira como ela é utilizada, sempre de forma algo pejorativa. Se 99,9% das pessoas sente prazer em, sei lá, comer, quer dizer que aquela minoria que come por obrigação ou que transa por obrigação em vez de por prazer (considerando aquela parte da população que pode se dar ao luxo de escolher, claro) é esquisita? Como se o esquisito tivesse que sumir devido à sua "insignificância" numérica perante à multidão de iguais.

Claro, relativizar tudo não ajuda na coisa. Poderíamos dizer "Ah, se o homem mata, isso é da natureza dele, então tudo é válido na vida". Não, gatas e gatos, antropologicamente falando, há um limite para os seres em seu estado selvagem, em seu estado primeiro. As coisas começam a ganhar limites quando a integridade física do outro começa a ficar ameaçada, óbvio. E como lembrou Fred 04, e não Freud, no show aqui no Rio, o senhor de engenho, o dono da fazenda, há uns 100 anos, era aquele cara que falava “Fodam-se os abolicionistas. Eu tenho o direito de ter o meu escravo. Tenho o direito de comprar meu escravo e dar umas chibatadas nele”.


“Ter o direito a ....” não te lembra nada? Todos têm direito a algo. Mas vamos lembrar que o horizonte contempla paisagens mais interessantes que um mero e imenso umbigão.

Mas eu tava falando dos esquisitos. E de lição de casa. O que faz, daqueles 40 aluninhos que receberam as mesmas lições e que viram as mesmas aulas, na infância, se tornar um "esquisito"? E queira ou não, são os "esquisitos", os "diferentes", que incomodam. Que dizem: "Não, obrigado, não quero fazer parte, quero fazer de outro modo".

No fundo, tudo é uma grande bobagem, dividir o mundo em dois. Mas é assim que acaba sendo, vai ser assim. Quando menos vemos, tamos lá: “Nossa, que sujeito exótico”.

Daí você se recorda, sempre com certo desconforto, de como sua classe se dividia em dois quando você era pequeno e era obrigado a fazer aulas de educação física. Quando você ficava numa fila esperando ser escolhido para fazer parte do time de futebol,basquete ou vôlei, e você era um dos últimos a ser chamado. Ou de como, desde muito pequenos, já somos cruéis uns com os outros, rindo das fraquezas alheias, alguns de forma explícita, outros de forma mais velada.

Daí que, voltando, o Rio tem aquela geografia tão gostosa, e tão primitiva, e tão surreal, e tão "esquisita". Fique alguns minutos olhando da sacada do hotel, do prédio, de algum lugar alto que seja, olhando para os morros e a multidão de prédios incrustados em meio aos morros. E comece a imaginar como essa paisagem era há milhares de anos. E de como foi a construção do primeiro prédio, a devastação da primeira floresta, como surgiu o primeiro concreto que tomou o lugar do verde, e do último verde que deu lugar à paisagem de brancos concretos.

Convivência, né? E aqui vai citação do dia:

Viver é conviver
Conviver é coexistir
Coexistir é irremediável

3 comments:

Bruno said...

ei, rique, é o caos, é o caos da minha mente.....tudo sem nexo, começo meio ou fim, antijornalístico e anti qualquer coisa......nem eu entendo direito. Vou tipo escrevendo o que vai vindo.

Anonymous said...

Gostei.. apesar das indas e vindas da sua mente.. me identifiquei em varios momentos.. ;)

Bruno said...

labirintos da mente, bianca...