Sunday, September 02, 2007

O tempo é um amigo precioso



Eles ainda me surpreendem. Deve ter sido o vigésimo shows deles que eu assisti, mas ainda assim, saio sempre emocionado. Sábado passado, lá no Studio SP, show classudíssimo do grande Cidadão Instigado. Show para muito poucos, ou poucos muitos, mantendo assim o clima gostoso de segredo entre amigos. Eles me emocionam. E as pessoas dançam, choram, e encontro amigos queridos. Sábado à noite tudo estava lindo, como um bom sábado deveria ser sempre. Não sou muito de reproduzir aqui as matérias que escrevi para o jornal, mas vai aqui uma exceção. Era um dos primeiros shows que eu via do Cidadão, eles tinham lançado um disco que entorta as pernas até hoje (foi em 2005, e a banda fazia uma temporada classe no Grazie a Dio!) e as pessoas estavam apaixonadas. Porque o tempo é um amigo preciso.
Aí vai:


Não há dia da semana mais cruel para a ressaca amorosa que a segunda-feira. Da paixão que atinge os píncaros do arrebatamento numa noite de sexta às brigas e o rompimento num sábado amargo, o cidadão que ficou instigado tem pela frente apenas a depressão de um domingo solitário. E os sobreviventes, estes ainda sentem o gosto do amor amanhecido na preguiçosa segundona em que a vida pessoal tem que dar passagem para a vida de trabalho.

Por isso, a chuva fininha, triste, que caía em São Paulo na noite da última segunda até parecia jogo de mise-en-scène. Era também o primeiro show da banda cearense Cidadão Instigado em temporada no Grazie a Dio!, na Vila Madalena, onde tocarão durante as segundas de novembro. Por ali, um coração dilacerado chamado Fernando Catatau irá cantar as músicas de um dos melhores discos do ano, "Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências".

Catatau conhece o espírito mutante do amor. No palco, recombina códigos da música popular. Parece perguntar: "Afinal, o que é o brega?". Entra, assim, sem pudores, no quartinho da empregada, quando canta "Te Encontra Logo..." e esbarra em Roberto Carlos. O músico franze a testa e fecha os olhos -larga a guitarra para colocar as mãos no peito. "Não quero estar recuando o meu sentimento e a minha alegria/Acho que estou te esperando/ o que talvez você já saiba." Ele sofre.

O músico sabe que a paixão é fugaz. Quando ela se vai, resta cantar e relembrar, para além das dores de corno. Por isso, o músico celebra os últimos instantes antes da putrefação. Por isso, uma canção como "Os Urubus Só Pensam em Te Comer". O arrebatamento pode ser esquisito, por isso uma música experimental sobre "vacas que estão velhas e loucas".

O amor altera mentes tranqüilas. Vai encontrar lá no inconsciente prazeres até então desconhecidos. "Preciso de um pouco de água com açúcar para me tranqüilizar", o desesperado Catatau pede na roqueira "Calma!" O cenário só se completa quando a iluminação reflete bolinhas de luz de um globo no teto. Somos transportados para a mais cafajeste das churrascarias, onde casais suspiram ao som de clones do Rei. Depois, um telão no palco vai mostrar imagens congeladas do público e da banda. Estamos em um baile de debutante e acreditamos em príncipes encantados.

No seu mergulho nos meandros do coração e da canção popular, a banda encontra o universal. Para o Cidadão Instigado só resta pensar sobre "O Tempo", que promete cura para todos os males (inclusive o escasso sucesso comercial). "Já não sou mais o menino que você deixou/o tempo é um amigo precioso/ que faz questão de jogar fora/aquela mágoa vencida." E assim termina a experiência que foge à todas as regras e pela qual todos adoram ser cobaias.

1 comment:

Milady said...

Olha, eu gostei. Não se brega é ou se não, mas o fato é que gostei.