Sunday, August 12, 2007

Máquina de café




Você iria achar superestranho, e eu não iria te censurar. Por isso, só vou te contar daqui a um tempo. Não dá para forçar intimidades assim, logo no começo, não é? Claro, a gente sabe que no começo tudo é um grande teatrinho. Eu finjo que sou perfeito, você finge que acredita, eu vejo beleza em cada espirro que você dá, você fica prestando atenção em cada nuance das cores do meu cabelo, eu acho você a garota mais fantástica do mundo. Nós acreditamos. Temos que acreditar.

Talvez por isso mesmo não dá para te contar tudo. Vamos aos pouquinhos. A cada dia eu prometo descer um degrau do céu. Mas você vai comigo. Ah, claro, eu tenho preguiça de sair todas as noites. Sim, você acha um saco ir ao cinema todo final de semana. Tá, Woody Allen não é tão genial assim. O quê? Você ficou com ciúme das minhas amigas? Mas você não tinha prometido jantar comigo hoje? A cada dia, vamos descendo um degrau até a gente chegar numa base bem segura, onde vamos poder nos abraçar bem forte.

Por enquanto, eu faço um esforço tremendo para acordar antes de você. Só para ter aquela estranha sensação que dura alguns milisegundos, depois que a gente acorda, depois de um sono gostoso. Alguns breves instantes em que você não sabe quem é, onde está, se é dia, se é noite, qual é o seu nome. Só sei que dá um alívio enorme acordar ao seu lado. Gosto de olhar para o lado, e ver que você está ali.

E fico um tempão bem quietinho, só olhando para você. Assistindo a você dormir, e pensar o quanto esperei tanto para que a gente enfim se conhecesse, e ficasse junto. E vou relembrando cada etapa. Da primeira vez que te vi. Forço a cabeça pra lembrar que roupa você estava usando. Se você estava sorrindo ou séria. E depois forço um pouco mais, e tento lembrar qual foi a sensação que eu tive na primeira vez que ouvi a sua voz. E vou buscando, palavra por palavra, a primeira frase que trocamos.

Fico aqui, bem quietinho ao seu lado, para não te acordar. Sim, é meio estranho, sei que você não é um filme ou uma instalação num museu para eu ficar assim parado e te olhando.

Mas eu tenho tido dias felizes ultimamente, e eu, que nunca gostei de acordar tão cedo, agora tenho mudado de hábitos, e deixado aquela mania de ficar tão sozinho de lado. E eu preciso te olhar bastante, para ter certeza de que você está mesmo do meu lado, e para ter certeza de que você realmente existe, e para que eu não confunda mais os sonhos e a realidade e os desejos e as coisas que já foram, e as histórias de outros que eu li ou ouvi no caminho para casa e as histórias que eu mesmo vou construindo, e as histórias que eu vou escrevendo, e as histórias que nós vamos vendo nos filmes, e as histórias que vou criando todas as noites só na minha cabeça.

19 comments:

Simone Iwasso said...

bruno, a cada post vc se revela melhor...incrível!

Fernando Borges de Moraes said...

Excelente!

Bruno said...

ei, simone, a inspiração vem da máquina de café....

Bruno said...

fala, fernando, valeu! tô lá fuçando seu blog. abração!

fjunior said...

tô vindo do blog da Simone que eu encontrei no blog de outra pessoa que eu já nem lembro... o texto tá muito bom... relata mil coisas que permeiam esta coisa que dá na gente e dizem ser amor... agora o q eu gostei mesmo foi do relato dos 3 primeiros milissegundos de quando a gente acorda, a sensação é bem aquela... principalmente quando se está em algum lugar diferente da nossa cama... muito bacana... abs

Mariana said...

Tb vim pelo locutório da Sisi. E simplesmente adorei o resto da história... Saudades do amor...

Bruno said...

oi, júnior, obrigado! esses 3 milissegundos parecem que são eternos, não é? e quando a gente tá superapaixonado tem vários milissegundos onde vc esquece quem vc é também...

Bruno said...

ei, mariana, valeu! adorei seu blog também, já até linkei. É fácil ter saudades do amor, já que o amor tem tantas coisas, mas a manutenção requer tantos cuidados...eu sempre me lembro daquela piada do Woody Allen no final do Annie Hall

Mariana said...

Mais uma visita dropada do popularíssimo Locutorio.
Já linkei vc, viva o mundo virtual!!
beijo!
Mari

O Sibarita said...

Olá Bruno! Seu texto é o ouro, faça fé!

Bem feito, leve, cortante, solto e verdadeiro! É isso...

Essa Ivana descobre é coisa! kkk

abraços,
O Sibarita

Bruno said...

valeu, o sibarita; fui te visitar também. Grande abraço!

HARA said...

Oi bruno, esse seu texto dos degraus... muito bom!
E assim vai... de degrau em degrau.

Ilis said...

já está virando clichê: "cheguei aqui pelo blog da simone".
menino, que lindo. adorei.
beijo

Unknown said...

oi

Bruno said...

pésvirados, não sei se a gente se conhece, mas eu sei que gosto dos teus textos!

Bruno said...

ilis garantida, obrigado pela visita. Eu adoro clichês e adoro esse especificamente! muito bom o nome Scriptease

Bruno said...

naiah! vc nunca mais vai postar nada do seu blog???? coloca mais trabalhos lindos lá, por favor!!!!! beijo

Anonymous said...

nossa bruno,
to chorando com esse seu texto.
e o outro de cima.
e o outro.
tah cada dia melhor!
tah cada dia tocando mais fundo tudo o que deve tocar.

absurdo!

q orgulho de vc!

Bruno said...

ai, Ju, quem tá quase chorando aqui sou eu, agora!!!! uma das minhas grandes inspirações na vida é o Pocket Films, sabia???