Sunday, April 22, 2007

Por isso eu ouço demais


Estava ali e agora e era assim que tinha que ser. Mesma terra, mesmo fuso horário, agora não dava mais pra fugir. O problema foi ter visto coisas demais, conhecido cidades demais, encontrado pessoas demais, muita informação a deixou apenas com um estoque inesgotável de imagens pela cabeça, impossíveis de serem varridas. E o que fazer, agora, com aqueles sons que também prometiam nunca mais lhe abandonar?

Durante alguns poucos dias, Maria Antonieta viveu 12 horas à frente, e não soube o que fazer com tanta sabedoria acumulada que não lhe servia pra nada. Estava à frente, era um fato inegável, mas não conseguiu tirar vantagem de viver no futuro. Talvez se descobrisse o resultado da Mega-Sena acumulada, e retornasse as tais 12 horas, até haveria uma chance de viver no macio. Mas 12 horas nunca serão suficientes, e é o máximo que Maria Antonieta atordoada conseguirá viver. Um poder que não lhe dava nenhum poder. Mas, orgulhosa, gostava de ostentar um pescoço à prova das guilhotinas de lâminas mais afiadas.

O corpo doía, o sono era latente. Não, não era assim. Estava agitada, não saberia mais o que é dormir. Seus 25 metros quadrados de vida seriam a confirmação diária e matinal: sim, você está de volta, e aqui todos enxergam a Mulher-Invisível, para cada Batgirl, disque DD-Drim.

Não era de todo mau a dimensão reduzida do apartamento, afinal nunca gostou de ter muito trabalho. Mas essa coisa de ter cozinha, banheiro, quarto e escritório tudo num mesmo ambiente começava a lhe incomodar. Ervas finas no meu macarrão não combinam com esse frio acento de vaso sanitário que comprei com tanto esforço. Paguei uma fortuna, lembrava com um sorriso. E os dedos doíam de tanto apertar o controle remoto.

Agora a vida seria assim, de vagas lembranças e casas apertadas.

Mas quando o aperto era demais, havia sempre a varanda, seu verdadeiro lar, e havia sempre espaço para abrir os braços e abraçar aquela planta com nome de mulher. Nunca mais passarei fome, prometeu, ....Scarlett O’Hara que era, e nunca mais me sentirei sozinha, chorou emocionada, com os punhos cerrados.

Dobrava os joelhos, ia sentando aos pouquinhos, com as costas encostadas naquela parede de mil musgos. Era o espaço ideal para relembrar aqueles sons. Que ficaram grudados à cera mais consistente dos labirintos dos canais auriculares. O acupunturista não achou nenhum problema. Moça, está tudo bem com você. As agulhas sorriem quando lhe penetram, apenas aprenda a circular. Se os sons invadem sua vida, faça com que se sintam em casa, ora. Mas, doutor, eu sou toda ouvidos. O problema é que não entendo nada do que eles falam. Sou monoglota. Eu não entendo o que eles falam. Mas o barulhinho é bom.

E não é sempre assim?
Não?
Sim.

4 comments:

Simone Iwasso said...

aprender a circular, e a dançar e dançar e dançar. talvez em movimento a porcelana esquente e no musgo se dissolva. você já leu murakami? um beijo!

Anonymous said...

belo texto.
voce precisa ler o livro "o sol se poe em sao paulo" de bernardo carvalho. tudo a ver com o seu momento.

Bruno said...

ótima lembrança, Marcelo! é bom mesmo? meio mundo comentando, tá na hora de ler mesmo! abração

Anonymous said...

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