Sunday, April 08, 2007

O cineminha vai ao cinemão




O armário está aberto há horas, todas as roupas sumiram. Você pode achar uma bobeira, se estivesse no prédio em frente, e visse pela janela uma mulher só de calcinha a entrar e sair do banheiro. Nenhuma roupa servirá hoje à noite. É tudo uma grande bobagem, você riria e me humilharia. É apenas um filme, você diria.

É apenas um filme. Mas ando com medo de duas horas intensas.

Não é apenas um filme, eu sei retrucar, ainda não irritada. Em duas horas posso ver impérios sendo construídos e destruídos. Posso ver aquele momento em que a vida do moço bonito começa a descer ladeira abaixo. E terei que abandoná-lo em seguida. Como me comunicar com quem já não está entre nós? Não estou pronta para ver o filme da minha vida. Não hoje à noite.

Não consigo viver à base de pedaços. Quero saber o antes, o que veio antes do antes, e gosto de previsões. Não conseguirei prestar atenção no filme. Às vezes acho que não há ônibus nesta cidade.

Qualquer coisa vai servir. Há tempos não entro numa sala escura. Não sei o que fazer. Conversar? Pegar na sua mão? Gosto de ficar em casa. Há mais espaço no sofá.

Sei que vai ser ruim. Não tem nenhum filme bom em cartaz na cidade. Não tem histórias boas nesta cidade. Não gosto do escuro. E não consigo dormir. Se eu não durmo, eu não sonho.
Por que ele demora tanto?

Por que eu não consigo lembrar seu endereço?

Preciso parar. Eu sei que as pessoas são gentis umas com as outras porque a gente imita. A gente só imita, mas não sabe por quê. Mas eu insisto em acreditar. Preciso parar porque há tempos não compro roupas novas.

Eu não consigo lembrar da última vez. Quer dizer, de relance, lembro que era bom. Que a gente sorria, mas nada mais. Acrescento uma música de fundo, reescrevo diálogos. Reenquadro as cenas, me vejo falando, discutindo, tomando-a nos braços. Me vejo na cama. Mas sei que não foi assim. E de onde tirei essas cenas? É o melhor filme que eu já vi na vida.

Mas eu não quero parar. Como dia após dia, como despertador tocando após despertador tocando, como cara amassada no espelho após cara amassada no espelho. Eu vou.

Eu sou daqueles que vêem o mesmo filme várias vezes. A primeira é só para falar que vi. Na segunda, finjo ansiedade, mas sei o que vai acontecer. Acho que só assim para me sentir um deus. Mas nunca tive vocação para isso. Acho que prefiro nada saber. Na terceira, brinco de memória. Sou adivinho. Sei o que cada um vai dizer ao outro. Sei que agora a moça não vai beijar o moço, mas que daqui a 40 minutos, eles estarão suando e balançando a cama. Não há fim.

Quero acreditar em você. E ver de novo histórias previsíveis.

4 comments:

Anonymous said...

que bom poder te ler novamente, e novamente é igual antes ...igual, igualzinho, tentando te descobrir, te desejando atravez das suas palavras, enigmasmistérios tão claros. sempre vou te amar te amo mais ainda qdo vc escreve e eu fico aqui tentando te ler.... há filmes bons pela cidade sempre haverá.

Anonymous said...

É demasiado o seu talento e ver você escrevendo novamente é maravilhoso.
"Eu acredito em você. E quero ver de novo histórias previsíveis!"

Um abraço

Bruno said...

!!!

Bruno said...

gata, eu ainda quero ver muitos filmes com vc...