Wednesday, September 28, 2005

Para te morder e para soprar, meu amor

Sua profissão é observar pessoas. E nesse mundão que ela vê, tem café expresso e amores expressos

Quero ser VUP

Você se importa se eu falar sobre Curitiba, e não falar sobre os shows? Quer dizer, vou falar sobre os shows, sim, mas talvez você nem repare.

O fato é que eu estava lá no final de semana, a trabalho, para cobrir o Curitiba Rock Festival. E pensei em memória e personalidade, mais do que no Weezer, no Raveonettes ou no Mercury Rev.

Num momento de confraternização entre amigos, momento pré-início dos shows, tomávamos chop quando ouvimos um zumbido poderoso. Uma Ferrari vermelha passava voando pela rua. Depois, alguns milisegundos e a outra Ferrari, logo atrás. Em seguida, a terceira. É a própria gangue da Ferrari, pensei. Tá, damos as costas, coisas de playboy, tem isso em tudo quanto é lugar. Nem deu tempo de me preparar para outro gole, e lá vem a gangue da batida das Ferraris novamente, no sentido contrário da avenida.

E ainda não consigo dar meu segundo gole. Vem menininho pedinte, querendo me vender algumas balas. Recuso, mas ele é insistente. Diferente daqui de SP, onde nossas caras fechadas e corações partidos são nossas couraças, impermeáveis e já entendidas como sinal de negação por qualquer menininho carente. Aqui não há tentativa. Mas ele insiste. E, constrangido, digo que não quero.

E você? O que você faz quando está lá no bar, ou em qualquer lugar que seja, e você é retirado de seu mundo particular, de seus devaneios das conversas com amigos, ou de devaneios pessoais, e é jogado nessa outra realidade?

Não dê esmolas, ensinam todos, tem até cartazes da prefeitura, do governo, espalhados pela cidade dizendo que não devemos dar esmola. E você provavelmente vai pensar (e não estou te chamando de reacionário, tá?. E a coisa extrapola a questão socioeconômica):

"ah, não tenho culpa da situação dos miseráveis"; "não vou dar esmola porque ele vai gastar tudo em bebida/drogas (tóchicos, diria Severino)"; "ah, não é dando dinheiro que vou ajudar o fulano"; "ah, que coisa desagradável ele vir me pedir"; "um dia eu realmente ajudo e irei à uma instituição de caridade"; "por que ele não vai trabalhar de verdade?"; "não vou dar dinheiro porque ele deve sustentar mãe e pai vagabundos, que não trabalham".

Claro, cada um reage de um jeito. Tem aquele que vai se solidarizar com o pedinte, vai dar alguns trocados, e trocar altas idéias com o menininho. Vai querer saber sua história, por que ele está ali e não na escola etc. Nunca vi nenhuma estatística sobre isso, mas acredito que essa situação é de uma minoria.

A grande maioria faz um ato que é tão instintivo, tão reação imediata, que vira quase norma. Você está lá, com seus amigos, entretido em algum papo, altas idéias, altas tirações de sarro, altas confidências, e de repente sua fala é cortada pelo "Tio, me dá um trocado?".

Você pára, como se tivesse sido pego pelo marido traído em pleno ato. Dá um corte no raciocínio que você estava desenvolvendo, e dá de cara com o menininho.

"Não tenho", você diz, constrangido.

E, por milésimos de segundo (ainda mais rápidos do que a gangue da Ferrari), você sente todo o peso de anos e anos do miserê brasileiro nas suas costas, a herança escravocrata, Terceiro Mundo, e lembra o quanto você tem "sorte" por não estar no lugar daquele menino, e de como é esquisito ter sua vida, aquela mesma que você bradava em alto e bom som para seus amigos, interrompida por um simples "Tio, me dá um trocado?".

Você nega, a maioria nega. Faz aquela cara constrangida, riso amarelo, e diz que não tem. Balança a cabeça, faz um teatrinho, faz aquela cara de "Pô, cara, que mal, desculpa aí", mas não se preocupa porque ele vai insistir pouco. Vale mais a pena tentar com algum outro, que não relute tanto em dar o dinheiro.

Mas sabemos que várias pessoas vivem nas ruas, à base da caridade alheia, e você usa isso também como argumento para fechar a mão. Claro que temos dinheiro, estamos lá tomando chop, apenas não queremos dar, por alguma razão que seja. E mentimos descaradamente.

Mas o mais surreal de toda a situação, é quando o menino dá as costas, desiste, e você retoma seu discurso de onde você tinha parado, e volta a falar com seu público _que por sua vez, também entrou por milésimos de segundos nesses questionamentos todos.

E tudo volta ao normal, as pessoas se esquecem do menininho. Ah, mas é tão normal, ele é apenas mais um....

(isso aqui dá pano pra manga. Você já pensou sobre memória e personalidade? Vamos falar mais sobre isso no próximo post?)

E daí vou para o show do Weezer e me vem à cabeça toda aquela história de ser "loser", de ser um perdedor. E lembro do show do Moby, dias antes, em que ele cantou Radiohead e dizia: "Gostaria de ser especial".

Não, eu não estou insinuando que é superficial gostar dessas bandas só porque o Brasil tá pegando fogo. Longe disso. E também não tenho soluções, e não sei se devemos ou não dar esmolas para o menininho.

Mas nesse mundo onde todos se estapeiam para ser VIP e Ferraris competem corridas nas ruas onde os menininhos tentam vender balas (aliás, será que Ferrari pára em sinal? como os menininhos vão pendurar suas balas no espelhinho do carro?), parece que tudo na vida é bipolar.

Parece que não há meio-termo, não há nuances, não há cinzas. Há apenas o preto e o branco. Portanto, se ninguém ordenou e proclamou que você é uma "pessoa muito importante", saiba que não há nada de errado. Tenha orgulho.

Pelo contrário, se o mundo é assim, agarre loucamente a sua carteirinha de VUP, de "pessoa muito desimportante". Ela dá acesso às melhores visões, aliás, à única visão. A visão real, da desilusão, do dia em que não iremos mais nos iludir com efeitos especiais.

Monday, September 26, 2005

Coisas aconteceram em Curitiba

Em Curitiba estar eu. Em Curitiba eu Yoda ver.
E o Mercury Rev diz que o universo é feito de histórias, e não de átomos.
E por isso conto tudo sobre golfinhos psicodélicos, Ferraris vermelhas e lobisomens, mais tarde, tá?

Sunday, September 18, 2005

Fui ao quarto verde; ela, tinha fome de viver

Tarde tristonha de domingo. Dia de coincidências. Você acredita em coincidências? "Coincidências são o sinal de que você está indo pelo caminho certo", li isso em algum lugar. Talvez um biscoitinho chinês, não lembro. Mas que "caminho certo" é um termo safado, isso é. "Caminho certo...." pra onde, exatamente? A psi dizia que coincidências eram eventos simbólicos, uma espécie de sonhos na vida, digamos, concreta. Nada é ao acaso. Acontecimentos que vão se concretizando de alguma forma, enfim. E a teoria do caos e o bater da borboleta, não nos esqueçamos disso.

O fato é que o telefone tocou quando estava de saída de casa. Um amigo das antigas atravessa um luto _ela foi embora há algumas semanas_, e pede colo para mim. Confesso que minha pressa foi maior que meu colo. Bem, não vou me editar aqui e tentar ser "o cara mais bacana do mundo", como todos fazem em blogs. Mea-culpa, você diz. Certíssimo.

Já na rua, já na Augusta, dou de cara com amiga. Ela ia ver Fome de Viver. Eu fui ver O Quarto Verde. Coincidências?

Daí fiquei lembrando do Fome de Viver. A coisa mais anos 80 do filme não é aquela aura cult, as afetações de fotografia, trilha e maneirismos publicitários. Mas sim o romantismo todo da história, aquela mania de morrer de amor em pleno século 20, padecer das dores do coração.

Aquele mundo de Smiths e Joy Division que titios mais velhos que eu me contam, quando "éramos herdeiros de uma timidez criminosamente vulgar" e de quando "o amor iria nos separar dilacerando novamente" em cada canto escuro de bar. E Cazuza, Renato Russo e Caio Fernando Abreu, não nos esqueçamos do mal do século tropical.

É um filme de terror. É um filme de amor. Amor = terror, portanto? Não, não sejamos terroristas amorosos, por favor. Mas não deixa de ser uma bela e nada sutil metáfora essa história da vampira que atravessa os séculos e que vai colecionando amantes.

Para sempre, ela dizia. Que seja eterno enquanto dure, dãããããã. Catherine Deneuve lá, toda bonitona, enquanto seu atual amante, David Bowie, enfim sucumbe à maldição e descobre que a paixão não é para sempre. Ele começa a envelhecer anos em questão de horas. Vemos seu longo martírio (mais dele do que dela). Ele não é mais o mesmo de horas atrás. Ela sabe que tudo acabará, e que a fila, enfim, tem que andar. Próximo amante, plis.

Ela tem vários amores guardados no armário. Todos eles, mortos-vivos, insepultos, lado a lado, como uma coleçãozinha.

Corta pra vida real. E daí você se lembra de todas as vezes em que você um dia encarnou Catherine Deneuve. E também se lembra, com menos facilidade, já que dói mais, de todas as vezes em que você foi David Bowie. E você lembra de como a Paulista está especialmente fria e suja nos últimos dias. E você dá uma olhada no seu armário, e vê que ele é bem espaçoso, e vai pensando no futuro, que cabe muita gente, mas que no fundo, você queria o fim da maldição.

Mas hoje eu fui encarar o querido Truffaut e seu Quarto Verde.

Ele próprio faz o homem que, dez anos após a Primeira Guerra, é um mero "espectador da vida". Prefere viver com os mortos, os seus vários amigos, quase todos mortos. Sua mulher, em especial. Para ela, constrói um altar, o tal do quarto verde.

Assim como o Bowie do Fome de Viver, Truffaut está agarrado ao passado. Ele luta contra o esquecimento. Tenta congelar o tempo, de certa maneira.
(e aqui rápida digressão: mortos e feridos, promessas desfeitas, sonhos e realidade, Brasil e PT. A política está em todos os lugares. Não fujam do assunto e não se digam apolíticos, gatinhas e gatões)

Quarto Verde é filme belíssimo, mas tristonho. Esquisitíssimo. Religioso, já que fala de almas, pega fundo, fundo. Afinal, vivemos nessa ilusão besta de achar que tudo é para sempre. Forever and ever. Igual ao mendigo da esquina, do menino de rua que te pára no farol. Por que algumas pessoas fingem que eles não existem? Por que achar que eles são invisíveis, como fantasmas de quem tentamos fugir?

(bem, deixo para outra ocasião esse enfoque, digamos, social, a-hã?)

A questão aqui é amantes, amados, feridos e amor.

Porque um amor que se foi é um ser dos mais libertários. Joga às favas essa convenção social que todos aceitamos e seguimos às riscas para não pirarmos de vez.

Tá, é muita piração. Peraí. É mais ou menos assim.

Todos nós aceitamos, mesmo que ninguém tenha pedido isso, nossos papéis sociais. Ex: sou fulano A, que trabalha em emprego B hoje, amanhã e depois. Você sabe que sou um sujeito com temperamento C, e que amanhã serei assim, e depois, e depois, e depois, com apenas umas variaçõezinhas aqui e ali, mas tudo dentro de um espectro mais ou menos limitado. Não por acaso, quem foge desses limites pré-estabelecidos, logo é considerado louco (ex.: sujeito que é sempre calminho um dia explode de raiva e ninguém o reconhece. Ele está errado?). Muitas vezes a loucura realmente pinta em algumas pessoas, mas não quero nem entrar no mérito criminal ou psicótico da coisa.

Resumindo: queira ou não, você interpreta um papel na sociedade, e esse papel é chamado de sua personalidade.

No trabalho, você sabe que seu chefe agirá dentro de certos limites. E sua família, e seus amigos, e seu parceiro etc.

O ex-amante, ou o amante que está prestes a se tornar ex, é dos seres que mais assustam porque quebram essa espécie de acordo silencioso, essa certeza social que é tão necessária.

Tá, por mais amigável que seja uma separação, temos lá dois seres que já trocaram e fizeram grandes alterações em seus papéis sociais. E que já não se reconhecem mais. E, que em determinada altura, dependendo do grau da situação, tornam-se perfeitos estranhos.

É que nem uma história clássica do Laerte em que o menino chega em casa e descobre que sua mãe não é sua mãe, que seu pai não é seu pai etc. O pai, a mãe, a irmã tiram a fantasia, como se fosse o final de um episódio do Scooby Dôo, quando o bandido tira a sua máscara, e a sua identidade é revelada. Tudo era uma farsa, eles eram meio que atores em um grande reality show. E o moleque entra em pânico porque tudo que ele conhecia não existe mais.

Credo, tá pessimista demais esse texto, né?

Tô escrevendo sob o impacto dos filmes, você deixa?

Tá, no fundo tudo isso que falei é política, não é? Gente que não se reconhece mais quando olha para trás.

O papo furado vai longe. Vamos tomar cerveja e falar sobre o tudo e o nada?

Tuesday, September 13, 2005

Sunday, September 11, 2005

Tradição

Nasci em 1977. São 28 anos e 8 meses de vida. Nesse tempo, fui crescendo com gente me assoprando noções básicas no ouvido. Vi que o céu é azul, mas nunca entendi direito o porquê. Aprendi que era necessário respeitar pai e mãe. Fiquei sabendo que Papai Noel não existia. E cresci sabendo que o Maluf é corrupto. E nunca entendi direito por que ele era político, já que outra noção básica que eu aprendi na teoria é que os políticos deveriam ser modelos de conduta. E, mais confuso de tudo, aprendi que ele poderia continuar desviando verba pública para seu bolso à vontade que ele nunca seria repreendido por isso.

Mais tarde, o céu continuou azul, mas continuo sem saber o porquê. Tá, basta uma rápida googlezada que eu descubro. Em poucos minutos. Mas não quis saber. Na prática, vi que nem sempre consegui honrar pai e mãe. Coisas de infância e adolescência, você sabe. E fiquei chocado quando descobri que Papai Noel não existia. Mentira. Nunca acreditei nele, e nem houve esse momento de descoberta, mas o que importa é romancear um pouquinho a história. Sempre funciona.

Por isso tudo, tendo a acreditar mais em um gordo Papai Noel no telhado de casa do que receber a notícia de que Maluf foi preso: um final de semana e vários quibes na cadeia. Parece que teve pessoas que comemoraram o fato, como acontece em finais de campeonato de futebol, gente buzinando pela rua, saindo para beber cerveja e celebrar. Era sexta-feira à noite, afinal de contas, e qualquer coisa é motivo para comemorar. Mas, claro, Maluf na cadeia é daquelas coisas que você só vê uma vez na vida, quase um cometa Halley (e eu sou mais um a perguntar: você viu? Eu não, vi um pontinho no céu que me diziam ser o Halley. Hoje, acho que era invenção dos meus tios, que me levaram para o interior para ver o danado, para não me decepcionarem).

Cético e cínico como todos da minha geração são, fico cheio de esperanças com a prisão de Maluf, para depois aquela lufada realista e pessimista me deixar com o pé atrás. Ôpa, é só mais um megashow da PF. Tá, tudo bem, depois da Daslu, eles têm que se superar. Afinal, depois de um Sonic Youth ou Brian Wilson, um festival não pode trazer qualquer coisa. São padrões de excelência que vão sendo criados, e que existem apenas para serem superados. E a prisão do Maluf é o Strokes da PF.

A PF tem um prato-feito na mão. Não é nenhum feijão com arroz. Tem um filezão duro pela frente, gororoba das boas, quibe frito que um dia sonhou em ser um fondue de gente metida à besta. Um dia Maluf disse: "Não tenho contas na Suíça". Mentiu ele, mentiram os políticos, mentiram as pessoas. Todos sempre mentem, mas hoje a moda é das boas. Nada mais daquele papo-furado das mentiras sociais, que todos nós teríamos que cantá-las diariamente, que ela é necessária para azeitar as relações. Um mundo sem mentiras seria melhor? Nunca saberemos, sabemos apenas que quando a moda é pegar na mentira, tudo se desconstrói. Mas desconstrução não é sinônimo de ruína.

Ôpa 2, a prisão de Maluf não vai dar em nada, ele vai sair ileso, com sua conta intocada. Pode até ser, mas o fato simbólico é o que conta, dizem. Sim, precisamos, de tempos em tempos, de símbolos nas nossas vidas. Só sei que quando as certezas que temos na vida se desfazem, perdemos referenciais. E sem referenciais, ficamos desnorteados. E, desnorteados, reavaliamos tudo que nos cerca. É o momento ideal para as mudanças, essa utopia, esse fator que sempre fica na cabeça, mais teoria do que prática, já que mudança não é algo palpável de imediato.

Obviamente isso tudo me anima. Mas, ao mesmo tempo, é algo que ilude. E o grande barato da vida é nos desiludirmos. Exceto para quem prefere viver na bruma de uma hora bêbada (e qualquer Silva deveria saber isso), com a desilusão, temos revelações.

Ilude porque começamos a achar que as coisas, no Brasil, estão mudando. Não estão, sabemos disso. E não é questão de ser pessimista. Claro, na superfície, vemos mudanças. Mensalão, mensalinho. Assistimos à morte, ao vivo, de um sistema. Dia-a-dia, testemunhamos mais porradas na execração pública do presidente que um dia salvaria o Brasil. Alguém acreditou nisso? Lula é barbudo e gordinho, tipo o Papai Noel. Se ele sabia de tudo? Se ele é menos culpado porque todos fazem isso? Todos temos nossas respostas para tudo isso, criamos gabaritos imaginários na cabeça. E nada nos tirará essas convicções. Do mesmo jeito que um palmeirense não conseguirá fazer de um corintiano um palmeirense, seja pela retórica, seja por sopapos, seja por goleadas.

Isso tudo me lembra aquela cena final desse último Star Wars, lembra? Quando os soldados recebem as ordens de eliminar todos os jedis, e eles vão sendo assassinados um a um. Mas é um outro episódio dessa série que mais me dá medo. É aquele chamado O Império Contra-Ataca. Sabemos muito bem qual é esse império, não é? E eles vão chegar com fome. Claro, tudo é uma grande conspiração, mas bem que o seu Lula ajuda! Eita nóis! Tão mordendo muito seu bigode, presidente, não deixa as coisas na cacunda, não!

Bem, você já viu que entro em digressões e vou escrevendo, né? Já que aqui não é jornal, vai ser assim. Tipo seguindo o fluxo da consciência. E sem correções e leituras posteriores, exceto as de ortografia e gramática, tá?

Então, voltando ao fator prisão do Maluf.

É fator indissociável do fator Daslu, do mensalão etc., claro. E sabe o que todo esse "momento de ética", de "mudanças" da política brasileira me lembra? As pessoas que fazem análise. Já me explico.

Antes de qualquer coisa, claro que não tenho nada contra quem faz análise. Fiz durante alguns pares de anos, foi bom enquanto durou, mas resolvi largar há outro par de anos. Na boa.

E, de uma maneira EXTREMAMENTE generalizada, comecei a prestar atenção nas pessoas que eu conheço que hoje fazem análise. No final das contas, reparei que ela gera um comportamento meio perigoso (tá, todos esses amigos e amigos hoje tão lidando melhor com seus grilos etc. etc.). Porque a análise funciona meio que como um fator de compensação. Tenho problemas? Tenho neuras? Sou meio escroto com os outros? Ah, tudo bem, faço análise e estou tentando lidar com isso, me dá licença, sei o que estou fazendo e falando.

Coisas do inconsciente coletivo. Lá onde dou minhas esticadas, segunda-feira é o dia que fica mais lotado. Pesquisinha informal com amigos que fazem academia ou qualquer outro tipo de atividade física também mostra que segunda-feira é o dia que fica mais cheio. Tem um fator óbvio que explica isso, já que segunda é o dia em que todos têm um pouquinho mais de tempo, em que as pendências do trabalho vão começar a ficar acumuladas durante a semana.

Mas tem também outro fator, que é mais subjetivo, parte de uma teoria da conspiração minha, que minha professora deu risadas, meio que concordando. As pessoas se lesam durante o fim de semana. Bebida, cigarro, noites mal-dormidas etc. Quem é pseudo-saudável, público de academias, sofre de uma notável ressaca moral. E lá vão para a segunda-feira limpar as impurezas do corpo e as mais difíceis de serem limpas, as da mente.

Sei lá, esse lance todo de corrupção, CPIs e tal me dão medo por isso. Que na superfície fique essa hipocrisia toda de que as coisas estão mudando, mas que por baixo, tudo fique igual. No fundo, fica, sabemos. O que muda é que talvez as pessoas tenham mais cuidado na hora de cometer a corrupção. Que irá desestimular os políticos a roubar seus trocos. É um pensamento ingênuo meu, sei disso (e há uma enorme mudança nisso tudo que digo que não está mudando), mas a coisa é mais subjetiva, mais ligada à própria psicologia do ser humano.

Não me diga que aquele papo furado de caras pintadas significou algo? Algo que serviu mais para dar assunto aos jornais e suprir a carência que a moçada do começo dos anos 90 tinha de pertencer à algo (tudo cheirava à perfume, tudo cheirava a um espírito juvenil, lembra?). E por acaso quem era jovem no começo dos anos 90 é mais politizado etc. e tal, e que o impeachment do Collor garantiu uma nova era, de um Brasil melhor, menos corrupto? Ai, tô sendo chato, né? Pessimista, jornalistinha revoltado?

Eu sei que fico assim quando tento olhar por baixo da superfície, que é onde a coisa pega mesmo. Tá, hoje assisti ao documentário Ônibus 174, e relembrar certas coisas bate fundo. E sou só eu, ou você também reparou que o número de mendigos dormindo na rua aumentou nos últimos anos? Seja bairro pobre, bairro rico, não há como não esbarrar com um homem ou uma mulher, jovem, criança, velho, dormindo nas calçadas. Posso ser superficial na minha análise, mas é para isso que eu olho mais, e é para isso que acho que as pessoas poderiam/deveriam olhar mais.

E não me venha me dizer que eu trabalho em ONG para aliviar a minha consciência, a tal da culpa social.

Maluf foi preso, e tenho medo da superficialidade de que a história acabou por aí. Gosto de um cinema "sem limites", como dizia Rogério Sganzerla, filmes modernos (modernos no sentido histórico, nada a ver com a descolândia, que fique claro), desconfio do mundo clássico, tudo lá, explicadinho, com historinhas, começo, meio e fim. Sabemos que as coisas não acabaram por aí.

Semana passada fui lá na abertura daquele festival bacana que é o Videobrasil (descolândia todo em peso por ali). Bem, a coisa toda começou com uma performance/monólogo/discotecagem que discutia a questão racial no Brasil, mais precisamente a questão do negro, tendo como base o circo todo que foi a história do Grafite e do jogador argentino.

Nem venho aqui discutir se a performance foi boa ou não, isso não importa. Mas é o que mais importava por ali, pelo jeito. Todos falavam sobre a forma, enquanto gênero artístico. Ah, é manjado demais, Ah, esse discurso está batido demais, Ah, não tem nada de novo. Ah, é constrangedor. Cinismo impera. Gosto e acredito em pinturas naifys.

Bem, a coisa vai longe. Vamos no fluxo dos pensamentos.