Sunday, September 11, 2005

Tradição

Nasci em 1977. São 28 anos e 8 meses de vida. Nesse tempo, fui crescendo com gente me assoprando noções básicas no ouvido. Vi que o céu é azul, mas nunca entendi direito o porquê. Aprendi que era necessário respeitar pai e mãe. Fiquei sabendo que Papai Noel não existia. E cresci sabendo que o Maluf é corrupto. E nunca entendi direito por que ele era político, já que outra noção básica que eu aprendi na teoria é que os políticos deveriam ser modelos de conduta. E, mais confuso de tudo, aprendi que ele poderia continuar desviando verba pública para seu bolso à vontade que ele nunca seria repreendido por isso.

Mais tarde, o céu continuou azul, mas continuo sem saber o porquê. Tá, basta uma rápida googlezada que eu descubro. Em poucos minutos. Mas não quis saber. Na prática, vi que nem sempre consegui honrar pai e mãe. Coisas de infância e adolescência, você sabe. E fiquei chocado quando descobri que Papai Noel não existia. Mentira. Nunca acreditei nele, e nem houve esse momento de descoberta, mas o que importa é romancear um pouquinho a história. Sempre funciona.

Por isso tudo, tendo a acreditar mais em um gordo Papai Noel no telhado de casa do que receber a notícia de que Maluf foi preso: um final de semana e vários quibes na cadeia. Parece que teve pessoas que comemoraram o fato, como acontece em finais de campeonato de futebol, gente buzinando pela rua, saindo para beber cerveja e celebrar. Era sexta-feira à noite, afinal de contas, e qualquer coisa é motivo para comemorar. Mas, claro, Maluf na cadeia é daquelas coisas que você só vê uma vez na vida, quase um cometa Halley (e eu sou mais um a perguntar: você viu? Eu não, vi um pontinho no céu que me diziam ser o Halley. Hoje, acho que era invenção dos meus tios, que me levaram para o interior para ver o danado, para não me decepcionarem).

Cético e cínico como todos da minha geração são, fico cheio de esperanças com a prisão de Maluf, para depois aquela lufada realista e pessimista me deixar com o pé atrás. Ôpa, é só mais um megashow da PF. Tá, tudo bem, depois da Daslu, eles têm que se superar. Afinal, depois de um Sonic Youth ou Brian Wilson, um festival não pode trazer qualquer coisa. São padrões de excelência que vão sendo criados, e que existem apenas para serem superados. E a prisão do Maluf é o Strokes da PF.

A PF tem um prato-feito na mão. Não é nenhum feijão com arroz. Tem um filezão duro pela frente, gororoba das boas, quibe frito que um dia sonhou em ser um fondue de gente metida à besta. Um dia Maluf disse: "Não tenho contas na Suíça". Mentiu ele, mentiram os políticos, mentiram as pessoas. Todos sempre mentem, mas hoje a moda é das boas. Nada mais daquele papo-furado das mentiras sociais, que todos nós teríamos que cantá-las diariamente, que ela é necessária para azeitar as relações. Um mundo sem mentiras seria melhor? Nunca saberemos, sabemos apenas que quando a moda é pegar na mentira, tudo se desconstrói. Mas desconstrução não é sinônimo de ruína.

Ôpa 2, a prisão de Maluf não vai dar em nada, ele vai sair ileso, com sua conta intocada. Pode até ser, mas o fato simbólico é o que conta, dizem. Sim, precisamos, de tempos em tempos, de símbolos nas nossas vidas. Só sei que quando as certezas que temos na vida se desfazem, perdemos referenciais. E sem referenciais, ficamos desnorteados. E, desnorteados, reavaliamos tudo que nos cerca. É o momento ideal para as mudanças, essa utopia, esse fator que sempre fica na cabeça, mais teoria do que prática, já que mudança não é algo palpável de imediato.

Obviamente isso tudo me anima. Mas, ao mesmo tempo, é algo que ilude. E o grande barato da vida é nos desiludirmos. Exceto para quem prefere viver na bruma de uma hora bêbada (e qualquer Silva deveria saber isso), com a desilusão, temos revelações.

Ilude porque começamos a achar que as coisas, no Brasil, estão mudando. Não estão, sabemos disso. E não é questão de ser pessimista. Claro, na superfície, vemos mudanças. Mensalão, mensalinho. Assistimos à morte, ao vivo, de um sistema. Dia-a-dia, testemunhamos mais porradas na execração pública do presidente que um dia salvaria o Brasil. Alguém acreditou nisso? Lula é barbudo e gordinho, tipo o Papai Noel. Se ele sabia de tudo? Se ele é menos culpado porque todos fazem isso? Todos temos nossas respostas para tudo isso, criamos gabaritos imaginários na cabeça. E nada nos tirará essas convicções. Do mesmo jeito que um palmeirense não conseguirá fazer de um corintiano um palmeirense, seja pela retórica, seja por sopapos, seja por goleadas.

Isso tudo me lembra aquela cena final desse último Star Wars, lembra? Quando os soldados recebem as ordens de eliminar todos os jedis, e eles vão sendo assassinados um a um. Mas é um outro episódio dessa série que mais me dá medo. É aquele chamado O Império Contra-Ataca. Sabemos muito bem qual é esse império, não é? E eles vão chegar com fome. Claro, tudo é uma grande conspiração, mas bem que o seu Lula ajuda! Eita nóis! Tão mordendo muito seu bigode, presidente, não deixa as coisas na cacunda, não!

Bem, você já viu que entro em digressões e vou escrevendo, né? Já que aqui não é jornal, vai ser assim. Tipo seguindo o fluxo da consciência. E sem correções e leituras posteriores, exceto as de ortografia e gramática, tá?

Então, voltando ao fator prisão do Maluf.

É fator indissociável do fator Daslu, do mensalão etc., claro. E sabe o que todo esse "momento de ética", de "mudanças" da política brasileira me lembra? As pessoas que fazem análise. Já me explico.

Antes de qualquer coisa, claro que não tenho nada contra quem faz análise. Fiz durante alguns pares de anos, foi bom enquanto durou, mas resolvi largar há outro par de anos. Na boa.

E, de uma maneira EXTREMAMENTE generalizada, comecei a prestar atenção nas pessoas que eu conheço que hoje fazem análise. No final das contas, reparei que ela gera um comportamento meio perigoso (tá, todos esses amigos e amigos hoje tão lidando melhor com seus grilos etc. etc.). Porque a análise funciona meio que como um fator de compensação. Tenho problemas? Tenho neuras? Sou meio escroto com os outros? Ah, tudo bem, faço análise e estou tentando lidar com isso, me dá licença, sei o que estou fazendo e falando.

Coisas do inconsciente coletivo. Lá onde dou minhas esticadas, segunda-feira é o dia que fica mais lotado. Pesquisinha informal com amigos que fazem academia ou qualquer outro tipo de atividade física também mostra que segunda-feira é o dia que fica mais cheio. Tem um fator óbvio que explica isso, já que segunda é o dia em que todos têm um pouquinho mais de tempo, em que as pendências do trabalho vão começar a ficar acumuladas durante a semana.

Mas tem também outro fator, que é mais subjetivo, parte de uma teoria da conspiração minha, que minha professora deu risadas, meio que concordando. As pessoas se lesam durante o fim de semana. Bebida, cigarro, noites mal-dormidas etc. Quem é pseudo-saudável, público de academias, sofre de uma notável ressaca moral. E lá vão para a segunda-feira limpar as impurezas do corpo e as mais difíceis de serem limpas, as da mente.

Sei lá, esse lance todo de corrupção, CPIs e tal me dão medo por isso. Que na superfície fique essa hipocrisia toda de que as coisas estão mudando, mas que por baixo, tudo fique igual. No fundo, fica, sabemos. O que muda é que talvez as pessoas tenham mais cuidado na hora de cometer a corrupção. Que irá desestimular os políticos a roubar seus trocos. É um pensamento ingênuo meu, sei disso (e há uma enorme mudança nisso tudo que digo que não está mudando), mas a coisa é mais subjetiva, mais ligada à própria psicologia do ser humano.

Não me diga que aquele papo furado de caras pintadas significou algo? Algo que serviu mais para dar assunto aos jornais e suprir a carência que a moçada do começo dos anos 90 tinha de pertencer à algo (tudo cheirava à perfume, tudo cheirava a um espírito juvenil, lembra?). E por acaso quem era jovem no começo dos anos 90 é mais politizado etc. e tal, e que o impeachment do Collor garantiu uma nova era, de um Brasil melhor, menos corrupto? Ai, tô sendo chato, né? Pessimista, jornalistinha revoltado?

Eu sei que fico assim quando tento olhar por baixo da superfície, que é onde a coisa pega mesmo. Tá, hoje assisti ao documentário Ônibus 174, e relembrar certas coisas bate fundo. E sou só eu, ou você também reparou que o número de mendigos dormindo na rua aumentou nos últimos anos? Seja bairro pobre, bairro rico, não há como não esbarrar com um homem ou uma mulher, jovem, criança, velho, dormindo nas calçadas. Posso ser superficial na minha análise, mas é para isso que eu olho mais, e é para isso que acho que as pessoas poderiam/deveriam olhar mais.

E não me venha me dizer que eu trabalho em ONG para aliviar a minha consciência, a tal da culpa social.

Maluf foi preso, e tenho medo da superficialidade de que a história acabou por aí. Gosto de um cinema "sem limites", como dizia Rogério Sganzerla, filmes modernos (modernos no sentido histórico, nada a ver com a descolândia, que fique claro), desconfio do mundo clássico, tudo lá, explicadinho, com historinhas, começo, meio e fim. Sabemos que as coisas não acabaram por aí.

Semana passada fui lá na abertura daquele festival bacana que é o Videobrasil (descolândia todo em peso por ali). Bem, a coisa toda começou com uma performance/monólogo/discotecagem que discutia a questão racial no Brasil, mais precisamente a questão do negro, tendo como base o circo todo que foi a história do Grafite e do jogador argentino.

Nem venho aqui discutir se a performance foi boa ou não, isso não importa. Mas é o que mais importava por ali, pelo jeito. Todos falavam sobre a forma, enquanto gênero artístico. Ah, é manjado demais, Ah, esse discurso está batido demais, Ah, não tem nada de novo. Ah, é constrangedor. Cinismo impera. Gosto e acredito em pinturas naifys.

Bem, a coisa vai longe. Vamos no fluxo dos pensamentos.

4 comments:

samy said...

ufa!
como escreve esse menino...
e escreve tanto, e tão livre e tão fluído...
e sobre tanta coisa que nem sei o que comentar!
então comento a forma!
como é bom aqui não ser jornal!
como é bom ler sobre o que você pensa e te conhecer um pouqinho mais através deste já que a geografia não permite um contato mais próximo...
eu acho você bem legal...

samy said...

ufa!
como escreve esse menino...
e escreve tanto, e tão livre e tão fluído...
e sobre tanta coisa que nem sei o que comentar!
então comento a forma!
como é bom aqui não ser jornal!
como é bom ler sobre o que você pensa e te conhecer um pouqinho mais através deste já que a geografia não permite um contato mais próximo...
eu acho você bem legal...

Bruno said...

ooooi, samy!!muito bom te ter por aqui, sabia?

Bruno said...

fala, henrique
voz sussurada? óia só, nem tinha pensando nisso! saudades de vc tb. Passando no cinema desco pra sua casa, tá?