Sunday, September 18, 2005

Fui ao quarto verde; ela, tinha fome de viver

Tarde tristonha de domingo. Dia de coincidências. Você acredita em coincidências? "Coincidências são o sinal de que você está indo pelo caminho certo", li isso em algum lugar. Talvez um biscoitinho chinês, não lembro. Mas que "caminho certo" é um termo safado, isso é. "Caminho certo...." pra onde, exatamente? A psi dizia que coincidências eram eventos simbólicos, uma espécie de sonhos na vida, digamos, concreta. Nada é ao acaso. Acontecimentos que vão se concretizando de alguma forma, enfim. E a teoria do caos e o bater da borboleta, não nos esqueçamos disso.

O fato é que o telefone tocou quando estava de saída de casa. Um amigo das antigas atravessa um luto _ela foi embora há algumas semanas_, e pede colo para mim. Confesso que minha pressa foi maior que meu colo. Bem, não vou me editar aqui e tentar ser "o cara mais bacana do mundo", como todos fazem em blogs. Mea-culpa, você diz. Certíssimo.

Já na rua, já na Augusta, dou de cara com amiga. Ela ia ver Fome de Viver. Eu fui ver O Quarto Verde. Coincidências?

Daí fiquei lembrando do Fome de Viver. A coisa mais anos 80 do filme não é aquela aura cult, as afetações de fotografia, trilha e maneirismos publicitários. Mas sim o romantismo todo da história, aquela mania de morrer de amor em pleno século 20, padecer das dores do coração.

Aquele mundo de Smiths e Joy Division que titios mais velhos que eu me contam, quando "éramos herdeiros de uma timidez criminosamente vulgar" e de quando "o amor iria nos separar dilacerando novamente" em cada canto escuro de bar. E Cazuza, Renato Russo e Caio Fernando Abreu, não nos esqueçamos do mal do século tropical.

É um filme de terror. É um filme de amor. Amor = terror, portanto? Não, não sejamos terroristas amorosos, por favor. Mas não deixa de ser uma bela e nada sutil metáfora essa história da vampira que atravessa os séculos e que vai colecionando amantes.

Para sempre, ela dizia. Que seja eterno enquanto dure, dãããããã. Catherine Deneuve lá, toda bonitona, enquanto seu atual amante, David Bowie, enfim sucumbe à maldição e descobre que a paixão não é para sempre. Ele começa a envelhecer anos em questão de horas. Vemos seu longo martírio (mais dele do que dela). Ele não é mais o mesmo de horas atrás. Ela sabe que tudo acabará, e que a fila, enfim, tem que andar. Próximo amante, plis.

Ela tem vários amores guardados no armário. Todos eles, mortos-vivos, insepultos, lado a lado, como uma coleçãozinha.

Corta pra vida real. E daí você se lembra de todas as vezes em que você um dia encarnou Catherine Deneuve. E também se lembra, com menos facilidade, já que dói mais, de todas as vezes em que você foi David Bowie. E você lembra de como a Paulista está especialmente fria e suja nos últimos dias. E você dá uma olhada no seu armário, e vê que ele é bem espaçoso, e vai pensando no futuro, que cabe muita gente, mas que no fundo, você queria o fim da maldição.

Mas hoje eu fui encarar o querido Truffaut e seu Quarto Verde.

Ele próprio faz o homem que, dez anos após a Primeira Guerra, é um mero "espectador da vida". Prefere viver com os mortos, os seus vários amigos, quase todos mortos. Sua mulher, em especial. Para ela, constrói um altar, o tal do quarto verde.

Assim como o Bowie do Fome de Viver, Truffaut está agarrado ao passado. Ele luta contra o esquecimento. Tenta congelar o tempo, de certa maneira.
(e aqui rápida digressão: mortos e feridos, promessas desfeitas, sonhos e realidade, Brasil e PT. A política está em todos os lugares. Não fujam do assunto e não se digam apolíticos, gatinhas e gatões)

Quarto Verde é filme belíssimo, mas tristonho. Esquisitíssimo. Religioso, já que fala de almas, pega fundo, fundo. Afinal, vivemos nessa ilusão besta de achar que tudo é para sempre. Forever and ever. Igual ao mendigo da esquina, do menino de rua que te pára no farol. Por que algumas pessoas fingem que eles não existem? Por que achar que eles são invisíveis, como fantasmas de quem tentamos fugir?

(bem, deixo para outra ocasião esse enfoque, digamos, social, a-hã?)

A questão aqui é amantes, amados, feridos e amor.

Porque um amor que se foi é um ser dos mais libertários. Joga às favas essa convenção social que todos aceitamos e seguimos às riscas para não pirarmos de vez.

Tá, é muita piração. Peraí. É mais ou menos assim.

Todos nós aceitamos, mesmo que ninguém tenha pedido isso, nossos papéis sociais. Ex: sou fulano A, que trabalha em emprego B hoje, amanhã e depois. Você sabe que sou um sujeito com temperamento C, e que amanhã serei assim, e depois, e depois, e depois, com apenas umas variaçõezinhas aqui e ali, mas tudo dentro de um espectro mais ou menos limitado. Não por acaso, quem foge desses limites pré-estabelecidos, logo é considerado louco (ex.: sujeito que é sempre calminho um dia explode de raiva e ninguém o reconhece. Ele está errado?). Muitas vezes a loucura realmente pinta em algumas pessoas, mas não quero nem entrar no mérito criminal ou psicótico da coisa.

Resumindo: queira ou não, você interpreta um papel na sociedade, e esse papel é chamado de sua personalidade.

No trabalho, você sabe que seu chefe agirá dentro de certos limites. E sua família, e seus amigos, e seu parceiro etc.

O ex-amante, ou o amante que está prestes a se tornar ex, é dos seres que mais assustam porque quebram essa espécie de acordo silencioso, essa certeza social que é tão necessária.

Tá, por mais amigável que seja uma separação, temos lá dois seres que já trocaram e fizeram grandes alterações em seus papéis sociais. E que já não se reconhecem mais. E, que em determinada altura, dependendo do grau da situação, tornam-se perfeitos estranhos.

É que nem uma história clássica do Laerte em que o menino chega em casa e descobre que sua mãe não é sua mãe, que seu pai não é seu pai etc. O pai, a mãe, a irmã tiram a fantasia, como se fosse o final de um episódio do Scooby Dôo, quando o bandido tira a sua máscara, e a sua identidade é revelada. Tudo era uma farsa, eles eram meio que atores em um grande reality show. E o moleque entra em pânico porque tudo que ele conhecia não existe mais.

Credo, tá pessimista demais esse texto, né?

Tô escrevendo sob o impacto dos filmes, você deixa?

Tá, no fundo tudo isso que falei é política, não é? Gente que não se reconhece mais quando olha para trás.

O papo furado vai longe. Vamos tomar cerveja e falar sobre o tudo e o nada?

12 comments:

Anonymous said...
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Anonymous said...
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Anonymous said...
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Anonymous said...

Staffer talks trash about S.W. Virginia
If you are working for a political candidate but don't much like where you're doing it, it's probably still not a good idea to post your negative views for everyone to see on the Internet.
Heya. Nice blog and some good content.

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it up with you blog.

Anonymous said...
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samy said...

Interessante ler você falando sobre coincidências.
Se eu te disser que essa semana foram muitas entre eu você...
Sabia que eu também assisti ao Truffaut ontem? E que também caminhei na Augusta pois quase fui rever o "Fome de Viver"?
Tudo tão parecido, tão próximo, porém em tempos diferentes.
Estranho não? Eu acho.
A vontade de te encontrar, o quase-encontro.
Por que eu estar nos mesmo lugares que você se não era pra ser?
Me sinto meio frustrada. :/
E quinta também. Descobri que enquanto você estava em um certo show perto de minha casa, eu estava em um bar ao lado ao que estavas, conversando com um amigo.
Tão longe, tão perto...

Anonymous said...

Me-do.
Detesto essa tua habilidade em explicar as coisas Bruno, me dá medo! ahahah
bjinho!

katia abreu said...

"O ex-amante, ou o amante que está prestes a se tornar ex, é dos seres que mais assustam porque quebram essa espécie de acordo silencioso, essa certeza social que é tão necessária."

ah, bruno... you got it!
muito bom! :)

Bruno said...

oi, blanca
Pô, tô bem feliz que vc tá lendo o blog! É maior honra. São aquelas minhas pirações que eu falava nos e-mails, agora tornadas públicas!
beijos

Bruno said...

Fala, Kátia
Ai, as dores de amor. Tão universal, né? Vamos tricotando, tô adorando vc aqui. beijo!

Anonymous said...

bruno, vc é um sujeito com temperamento do tipo A de azedo. rs
outro dia vi um livro q falava da história do amor do ocidente. bem bacana!

Anonymous said...

cerva com tudo ou nada ? bjo !