Sunday, October 14, 2007

Cama





Acordou bem tarde no domingo. A culpa, o medo de morrer e aquela vontade de ser tão responsável já não faziam mais sentido para ela. Mas a cabeça ainda doía. E o sorriso não vinha, e nem a vontade de levantar da cama, e nem a vontade de se recompor e voltar a ser gente. Porque naquele estágio ela não se sentia gente. Só se sentiria gente novamente quando se levantasse enfim, fosse ao banheiro, aliviasse a bexiga que já doía, lavasse o rosto e passasse uma água no cabelo. Ela dormiu de maquiagem. Em outros tempos, ela se acharia no fundo do poço. Tinha vontade mesmo era de beber água. Vontade de se purificar? A culpa cristã escondidinha, lá no fundo, e ela tentava jogar água fria em cima dessa danada. Agora já era tarde, a cama já estava contaminada com tanto cheiro de cigarro e de noite e de pessoas que ela conheceu na noite passada. E aquela cama, que em outros tempos era tão cheirosa, e que tinha apenas dois cheiros, agora era um depósito de cabelos e pêlos dos mais diferentes tipos, das mais variadas cores, dos mais variados sexos, e das mais diferentes espessuras. A bexiga estava apertada, a vontade de água era grande, mas tudo que ela conseguia fazer era procurar os mínimos vestígios daquele que ela tanto amou um dia, que foi embora e deixou apenas pequeninas lembranças hoje perdidas naquela enorme e democrática cama que nunca dizia não.