Sunday, June 24, 2007

Toda noite uma despedida (2)


Izumi me deixava confuso. Quase deitado naquele sofá, e lá se vão anos e anos de correção da minha postura corporal, eu já não sabia se Izumi e eu estávamos num daqueles momentos de drama de fim de caso ou se, ao contrário, tudo era apenas o começo, e eu estava misturando as coisas, lembrando da Azumi, a namorada que veio antes de Izumi.

Às vezes vivemos vidas dentro de vidas. E não dá mais para saber o que é de dentro, e o que é de fora. O jeito é continuar, ir absorvendo tudo mesmo.

E talvez eu e Izumi estivéssemos apenas sem graça porque não nos conhecíamos direito e não tínhamos muito assunto, já que até a noite anterior nós éramos dois perfeitos desconhecidos naquele bar vazio, prestes a fechar, que decidiram começar a trocar olhares, e que enfim começaram a falar uma bobagem qualquer, porque estavam loucos de vontade de se conhecer, do tipo “Olha só, que música legal essa que tá tocando”, no que um dos dois retrucou “Mas música é para ouvir, e não para olhar”, e começaram a rir um do outro, e trocaram nomes, risadas, bebidas, e confissões que não se fazem para qualquer um, e histórias aumentadas para melhorar a realidade, para logo em seguida terminarem a noite num daqueles motéis disfarçados de hotéis, já que a ocasião descompromissada não permitia que a noite terminasse na casa de nenhum dos dois e nem num daqueles motéis megaluxuosos estilo parque temático, e nem num cafezinho antes para disfarçar as reais intenções, mas em nenhum dos casos não mudaria o fato de que os dois se sentiriam constrangidos por ficarem nus, eles que não se conheciam, e sabiam apenas um sobre o outro informações selecionadas a dedo, porque o objetivo era exatamente esse, terminar na cama, e um pouco de carinho sempre é necessário, é inverno, você sabe, mas era justamente essa impessoalidade que permitia que nós dois não precisássemos ficar tão constrangidos, e pudéssemos pôr em prática as posições apenas anteriormente teorizadas.
E hoje eu estava na casa de Izumi.
-Izumi, por que sua casa está tão estranha?

Toda noite uma despedida (1)


Os momentos iniciais são tão desconfortáveis quanto os finais. Comecei a pensar nisso quando um amigo meu desabafou: “Terminar é uma delícia. Adoro terminar. É tão bom como quando a gente começa a namorar”.

Eu estava de novo na casa de Izumi. Ela sempre sabia como me deixar realmente mal. Toda vez que a gente brigava, aquelas brigas realmente feias, que te fazem pensar se vale a pena continuar insistindo, ela mudava tudo. Toda a decoração da casa.

Quer dizer, não chegava a mudar a cor das paredes, o sofá e nem chegava a trocar de televisão. Ela gostava de mudanças, mas se tudo mudasse, talvez Izumi esquecesse até seu próprio nome. Ela precisava de uma âncora.

E de novo eu cheguei, cabisbaixo, com o peito cansado de tanto brigar, e ela abriu a porta e falou para eu sentar. Caminhei por instinto até o sofá, mas não encontrei nada. Meus olhos levaram alguns rápidos segundos percorrendo a sala, até eu achar o novo lugar do sofá.
Izumi conseguira de novo. Eu estava me sentindo desconfortável e incomodado com aquela casa que era a mesma, mas que ao mesmo tempo estava tão diferente.

Ela não falou nada. Devia estar cansada também, mas eu sabia que esse era seu jeito de lutar. Me deixando perdido, dando tempo e espaço para eu remoer o que eu quisesse na minha cabeça.
Eu poderia me sentir culpado, sentir raiva dela, ter vontade de simplesmente sumir e não ter que encarar de novo mais um começo, não ter que me adaptar novamente a um novo espaço onde eu não sabia nem onde ficava o sofá, e nem que cor era a tampa da privada, e nem ter que pensar em recomeços, ou pior, novos começos, porque acho que no fim das contas, tudo estava se encaminhando para isso. Mas antes teríamos que vislumbrar um fim.

Saturday, June 16, 2007

Sweet little girl, I wanna be your boyfriend


No dia 16 de junho de 2007 eu estava completando 25 anos. Lembro que era um sábado e que, na noite anterior, decidi ficar acordada para celebrar sozinha o meu aniversário. Minha mãe me dizia que eu tinha nascido às 6h45 da manhã. Geralmente eu não ficava acordada nesse horário.

Tava numa fase chata. Não gostava mais de varar a noite dançando e chegar em casa com o dia claro. Você acredita em maturidade emocional aos 25? Eu acredito em lendas. Nas últimas vezes que eu tinha chegado em casa com o Sol batendo na minha cara, queria só cortar os pulsos. Chegar em casa, de dia. E o sábado, o domingo, ficavam todos estranhos depois de trocar o dia pela noite. Ressaca moral, sabe? Eu era cheia da moral.

Mas queria um ano diferente. Os 24 não foram legais. Foi um ano parado. Não que as coisas tivessem dado errado. As coisas simplesmente não aconteceram. Então, eu achava que, se começasse aquele ano desde o primeiro segundo acordada, bem acordada, sóbria, e cheia de pensamentos de coisas boas, quem sabe um pouco de moral, Papai Noel, e uma lista com planos do tipo plantar uma árvore, apagar a luz dos ambientes em que eu não estivesse, desligar a torneira enquanto escovasse os dentes e rezar pelas baleias, quem sabe alguma coisa mudaria.

Então, naquela sexta-feira, saí às ruas numa noite quente de outono, eu e um monte de gente toda excitada com aquele calorzinho que vinha depois de dias frios, e uma brisa que arrepiava e deixava todo mundo com vontade de fazer coisas que a dona moral diria que não eram muito bonitinhas, como se o mundo fosse acabar amanhã.

Otimista e poliana, eu sabia que a hecatombe final não aconteceria no dia seguinte, o amanhã era meu aniversário de 25 anos, e isso era tudo para mim, então eu estava bem tranqüila, e andei, andei, andei, e fiquei olhando as pessoas arrepiadas e excitadas nas ruas, e eu só pensava nas 6h45 da manhã que chegaria, o momento exato que, anos antes, eu estava nascendo.


E pensei nas minhas músicas prediletas enquanto eu não nascia, e até cheguei a cantar em voz alta, porque ninguém estava ligando mesmo para meu nascimento. Cantei e dancei. E esperei.


E não teve erro. Naquela madrugada de friozinhos na espinha, eu sabia que não ficaria deprimida com os primeiros raios de Sol. E sempre que o frio avançasse, eu poderia voltar para casa e tomar uma caneca de leite com café bem quente de manhã. Naquele fim de semana, eu não tinha hora para acordar.

Sunday, June 03, 2007

Toc toc, Plutão


Queira ou não, você é obrigado a se transformar. Basta ficar parado e, quando se der conta, você já terá altura suficiente para alcançar o topo do armário, aquele mesmo que algum tempo antes você tinha que escalar com uma cadeira. E o tombo não era raro.

Mas agora surgirá uma ajudinha extra. E, mesmo que, dia após dia, você tente fingir que as mudanças não acontecem, e que você atue religiosamente na sua rotina, como o melhor ator do Oscar e interprete com inegável competência e emoção o seu eterno papel de você mesmo, o papel vai mudar. É como se o diretor fosse demitido, e produtores mudassem o rumo da trama. Mas você continua atuando no papel principal, mesmo sem entender que novo filme enfim é esse. Interprete, com emoção, por favor.

E tudo porque Plutão, o planeta que não é mais planeta, mas que sempre será um planeta, já que não pode deixar um comprometido escorpião abandonado, resolveu ser o novo diretor.

David Lynch do espaço, Plutão chega quieto, dark, na dele, sem chamar a atenção de todos. A festa já está animada o suficiente, animadores de auditório são tão tediosos. No entanto, Lynch já sabe que o consciente e o inconsciente são irmãos gêmeos, um completando o outro, que o sonho é tão real quanto a lembrança de um ato passado, tudo se mistura por ali, numa massa única. E o que não é enfim real, se torna real depois de um tempo, e depois de mais tempo, pouco interessa, a mensagem chegou, ficou registrada, e produz filhotes.

Plutão, o mais distante dos planetas, 246 anos para passear pelo zodíaco e deixar uma marca por todos os signos. Quanto tempo não nos víamos, eu entendo que nunca existe a sua marca de cigarro favorito na padaria da esquina. Fidelidade obsessiva pela marca. Tem que ir de padaria em padaria da nossa galáxia.

O Pluto é o filho da Pluta, e sei que você precisa de um dia de santa e um dia de puta. De humor variável, entre 11 e 32 anos morando, namorando, sendo amigo de cada signo, amante constante, e deixando sua marca indelével. Novas vidas, dentro da mesma vida, você terá que aprender.

Porque Plutão é transformação, renascimento, a tal da Fênix que ressurge das cinzas, das cinzas não às cinzas, do pó para além do pó.

Ele manda avisar que ano que vem estará por aqui de uma vez por todas. Mas já deixa claro que 2007 já é seu de alguma maneira. A força não é pequena, já que tudo facilita, e já que 2 e 0 e 0 e 7 são 9, e 9 é a última etapa antes da renovação, e 9 carrega todas as experiências anteriores.

Zerar ou não zerar, eis a questão. Tenho medo de zerar, e mudar de papel, e não saber mais quem sou eu, quem é você. Mas um novo diretor pode salvar um filme fadado ao esquecimento, ou ao menos lhe dar uma nova cara mais simpática.

E 2007 é o ano de faxinas, e os velhinhos vão dando adeus, bye bye, século 20. O século 21 enfim começa. Estou preparado? Nunca estamos, mas é assim que tudo funciona.

Sentimentos bipolares, vou variar do mais extremo dos otimistas ao mais profético dos seres catastróficos, e lembrar de 1930, e dos vários ismos na Europa, e das grandes depressões nas Américas, e das primeiras e segundas guerras, e do derretimento das camadas protegidas da mente, e dos mergulhos de Jung e Freud. E o mundo nunca mais foi o mesmo. E a América nasceu, e mais 246 anos pela frente. Tudo porque Plutão trocou de casa, comprou roupas novas e tem sido visto em novas companhias. Dizem até que parou de beber.

Ainda há espaço para revolução, e para destruições, e reconstruções, e o mundo nunca mais será o mesmo. A história não acabou, nunca acaba, apenas nos esquecemos das histórias, apenas não nos damos conta.

Vou viver com você até 2024, e penso no que faremos juntos durante todo esse tempo, e quem serei eu, afinal, e se vou me reconhecer nesse novo eu, e em todos os filhos que você verá surgir de mim, e se vou gostar dessa companhia. E até não te encontrar de novo, lá por volta de 2200, quando meus netos e tataranetos enfim conhecerem você e te mandarão lembranças, e lembrarão para você tudo que eu sempre quis dizer na tua ausência, desde quando você foi embora, e não consegui encontrar as palavras certas para dizer um simples adeus porque enfim, eu estava tão mudado, e não sabia mais o que dizer, mas àquela altura, eu já era outro eu, então as frases não seriam mais as mesmas, mas um dia a mensagem chegará, alto e em bom som, ecoando a mais bela das declarações de amor.