Sunday, April 29, 2007

O que aconteceria se....


A mãe da minha mãe morreu ontem. Tinha 91 anos, foi de velhice mesmo. Morte tranqüila, sem sofrimentos, por isso um clima não pesado no velório, claro teve uns momentos tristes, lágrimas e tudo o mais, mas tudo foi muito sereno. A começar pelo jeito que ela se foi. Minha vó mesma falava que estava cansada de viver, que já tinha vivido o suficiente, e que queria morrer este ano ainda, de preferência. Como tinha muito tempo livre, entre outras coisas, já tinha decido qual roupa queria usar no dia de seu velório. Descobrimos, ontem, enquanto arrumávamos as suas coisas (ela morreu no quarto dela), uma pastinha com tudo detalhadinho, nos mínimos detalhes: o que colocar junto ao caixão etc. etc., coisas que realmente não pensamos muito quando somos jovens (entre essas coisas, uma foto e uma poesia de meu jovem primo morto durante um assalto há uns anos).

Ela chegou ao Brasil em 1933. Veio do Japão com uma irmã, dois irmãos, o pai, e meu avô. Eu realmente fico pensando e me admirando, cada vez mais intrigado, sobre as razões que os fizeram vir para cá. Era entre-guerras, vale lembrar. O Japão não era nenhuma potência econômica ainda, pelo contrário. O trajeto, que hoje demora umas singelas 24 horas para ser feito de avião, naquela época levava seis meses de navio. As informações não circulavam naquela época, claro, então para um japonês tentar visualizar em sua mente o que era o Brasil e o que era um brasileiro devia ser mais difícil do que, sei lá, tentar se imaginar dentro de uma equação matemática e ter que tomar o café da manhã com logarítimos. Você pode nunca ter ido para Botsuana, mas se for no Google Images terá uma vaga idéia de como é por ali.

Ah, sobre a coisa do navio. Volta e meio leio relatos sobre a diferença entre os navios de imigrantes japoneses e imigrantes de outros países. Dizem que os setores japoneses eram os únicos que eram mais organizados, e que eles eram os únicos que tentavam se manter aprumados. Afinal, imagina o que é ficar morando durante seis meses num navio, com doenças e vírus e calor e suor correndo solto. Não deve ser fácil, e deve chegar uma hora que todos viram meio que bichos mesmo, sem culpas.

E em Tóquio, uma das coisas que mais me impressionaram foi a obsessão deles pela limpeza e coisas do tipo. Vários deles usam máscaras. Quando eles ficam resfriados ou gripados, eles usam máscaras. Eles têm tanta preocupação com o coletivo que usam a máscara para não contaminar as outras pessoas. Fumar na rua é proibido. Tem áreas nas esquinas reservadas para fumar. Durante minha estadia lá, não vi uma sujeira, uma bituca de cigarro jogada no chão. Do navio pra avião, certas coisas não mudaram.

O pai do meu pai também morreu este ano. Foi no mês passado, e ele tinha 95 anos. Morava no interior de São Paulo, até uns 3 anos atrás ele comia aqueles torresminhos gigantes, sabe?. Comia sem constrangimentos, e sem nunca ter ouvido falar que aquilo fazia mal para a saúde, e sem se preocupar que ele não tinha mais dentes. Chupava como se fosse uma bala, e era um barato ver ele se deliciando com seus torresmos. Também morreu sereno, calmo, sem sofrer nenhum dia. Um belo dia estava tomando banho (ele conseguia tomar banho sozinho) e puf, passou mal, caiu no chão e pronto.

Fomos lá em Lins assim que conseguimos. Foi estranho chegar lá e não ver o meu avô todo encolhidinho no canto da sala. Ele tinha uma poltrona predileta, que era só dele, e ficava lá quase o dia inteiro, atolado no sofá, todo torto. Nunca tinha ouvido falar que fazia mal para a coluna. E senti falta dele me perguntando quando eu ia me casar.

Minha avó veio lá de Nigata, Japão. Meu avô, não faço idéia. Dizem que nasceu no navio, ou que veio ainda bebê de colo, nunca me confirmaram direito essa história. Ela até o fim da vida era uma japonesa de raiz, teimosa e blasé que nunca aprendeu a falar português. E eu nunca aprendi a falar japonês; ou seja, nunca tivemos um diálogo de verdade. Mas, entre as lembranças legais de infância era que ela adorava as novelas das oito da Globo, nos anos 80. Ela assistia, não entendia nada, e assim que terminava a novela, ligava aqui em casa e minha mãe explicava tudo que tinha acontecido naquele capítulo.

Meu avô, ao contrário, tinha pouco de japonês. Até pelo estilão dele. Fazia um look meio tipo Cartola, sabe? Chapéu, camisa social branca, sempre impecável, um típico brasileiro do interiorzão. Era bem escuro também, talvez porque lá é quente e faz um sol dos infernos.
E ele falava português com todo o sotaque típico do interior.

Com ele tive conversas ótimas. Me falou, entre delírios sinceros, que quando era jovem, teve mais de 100 namoradas. Que sabia tocar violão, que tinha jeito pra coisa. Mas, que tinha uma família para sustentar e que tinha que trabalhar na roça. No fim da vida, tava desencanado de tudo. Eu vibrava quando ele escarrava no chão. É, ele cuspia no chão, dentro de casa. Tava nem aí, mó punk. Na velhice, os freios sociais desaparecem.
Saudades também do meu pai, que se foi em 1994.

Vidas lindas, admiro todos.

E lá na breve passagem pelo Japão, claro que não deu pra não ficar pensando em montes de coisas do tipo “o que aconteceria se...”. E se o governo japonês não tivesse incentivado que seu povo viesse ao Brasil, país onde a propaganda dizia que o ouro nascia em árvores? E se eles realmente tivessem ficado ricos, como a propaganda do governo prometia, e eles tivessem voltado ao Japão em poucos anos?.

Daí, naquele monte de japoneses, eu me misturo na multidão, mas sou um farsante. Não sou um deles, apesar de parecer. E daí lembro que desde que nasci, sou o “japa” aqui no Brasil, e por mais que a mistureba racial no Brasil seja geral, nunca sou tratado como um brasileiro. E de onde eu sou, enfim? E, lá, claro, eu sou um brasileiro tosco que tem antepassados que supostamente pularam fora do barco afundando e foram tentar a sorte em outro país.

E, claro, fico imaginando se meus avós não tivessem tido a maluca idéia de ter vindo ao Brasil, talvez eu estivesse lá, em meio aos trens-balas e aos enormes anúncios de néon e às maravilhas do Primeiro Mundo e dos estudantes que se matam porque foram mal na escola. Me dei bem? Me dei mal? Não sei de nada, muito menos a roupa que vou usar no meu último dia.




Sunday, April 22, 2007

Por isso eu ouço demais


Estava ali e agora e era assim que tinha que ser. Mesma terra, mesmo fuso horário, agora não dava mais pra fugir. O problema foi ter visto coisas demais, conhecido cidades demais, encontrado pessoas demais, muita informação a deixou apenas com um estoque inesgotável de imagens pela cabeça, impossíveis de serem varridas. E o que fazer, agora, com aqueles sons que também prometiam nunca mais lhe abandonar?

Durante alguns poucos dias, Maria Antonieta viveu 12 horas à frente, e não soube o que fazer com tanta sabedoria acumulada que não lhe servia pra nada. Estava à frente, era um fato inegável, mas não conseguiu tirar vantagem de viver no futuro. Talvez se descobrisse o resultado da Mega-Sena acumulada, e retornasse as tais 12 horas, até haveria uma chance de viver no macio. Mas 12 horas nunca serão suficientes, e é o máximo que Maria Antonieta atordoada conseguirá viver. Um poder que não lhe dava nenhum poder. Mas, orgulhosa, gostava de ostentar um pescoço à prova das guilhotinas de lâminas mais afiadas.

O corpo doía, o sono era latente. Não, não era assim. Estava agitada, não saberia mais o que é dormir. Seus 25 metros quadrados de vida seriam a confirmação diária e matinal: sim, você está de volta, e aqui todos enxergam a Mulher-Invisível, para cada Batgirl, disque DD-Drim.

Não era de todo mau a dimensão reduzida do apartamento, afinal nunca gostou de ter muito trabalho. Mas essa coisa de ter cozinha, banheiro, quarto e escritório tudo num mesmo ambiente começava a lhe incomodar. Ervas finas no meu macarrão não combinam com esse frio acento de vaso sanitário que comprei com tanto esforço. Paguei uma fortuna, lembrava com um sorriso. E os dedos doíam de tanto apertar o controle remoto.

Agora a vida seria assim, de vagas lembranças e casas apertadas.

Mas quando o aperto era demais, havia sempre a varanda, seu verdadeiro lar, e havia sempre espaço para abrir os braços e abraçar aquela planta com nome de mulher. Nunca mais passarei fome, prometeu, ....Scarlett O’Hara que era, e nunca mais me sentirei sozinha, chorou emocionada, com os punhos cerrados.

Dobrava os joelhos, ia sentando aos pouquinhos, com as costas encostadas naquela parede de mil musgos. Era o espaço ideal para relembrar aqueles sons. Que ficaram grudados à cera mais consistente dos labirintos dos canais auriculares. O acupunturista não achou nenhum problema. Moça, está tudo bem com você. As agulhas sorriem quando lhe penetram, apenas aprenda a circular. Se os sons invadem sua vida, faça com que se sintam em casa, ora. Mas, doutor, eu sou toda ouvidos. O problema é que não entendo nada do que eles falam. Sou monoglota. Eu não entendo o que eles falam. Mas o barulhinho é bom.

E não é sempre assim?
Não?
Sim.

Saturday, April 21, 2007

As coisas da vida



Sim, não é todo dia que a vida é assim.
Então, aproveite.
Meu corpo dói, não conseguirei mais dormir.
Eu tenho noção, e você não se importa com isso, graças a Deus.
A vida é fácil, você sabe.
Hoje não quero saber de mais nada.

Você me salvou hoje à noite, e é isso que importa. Podemos dançar a noite inteira, e você não irá se importar com as minhas caretas. Eu também não te julgarei por nada, só por hoje à noite.
E é por isso que nunca te pedirei nada em troca. E é por isso que te sorrio sem pensar em razões para sorrir. Quero ver você amar, quero amar, quero pensar em quem amei, com todo amor do mundo. Enquanto eu danço, um mundo gira. Eu me lembro de cada história. Cada uma delas, nos mínimos detalhes. E sorrio.

Não fico mais triste, hoje não há por que chorar. E você pensa no casamento que não aconteceu, e eu falo nos casamentos que eu assisti. E eu falo que a gente não precisa ter pressa, e você, tão subitamente pessimista, desaba. Eu caso, tu casas, ele casa. Nós casamos, vós casais. Eu quis escolher, eu não quis você. Mas teve o dia em que você não me quis, então não há por que chorar enquanto nós não casamos. Sim, não é todo dia que a vida é assim. Vamos apenas aproveitar. Tudo é muito simples, você sabe disso, meu amor. Vamos aproveitar cada minuto. Não é todo dia que a vida é simples assim. Quero que você assista aos meus amores. Semana que vem, vamos ler o livro da vida.

Sunday, April 15, 2007

Toquio


Ainda nao deu tempo de assimilar tudo, e sei que nem vai dar. O tempo eh curto. Estou em Toquio ha dois dias, como jornalista da Folha, para assistir ao Homem-Aranha 3, a convite da Sony.

A primeira conclusao eh: Sofia Coppola pegou leve em Encontros e Desencontros. Claro, eh tudo aquilo que esta la no filme, mas a confusao parece ser ainda maior.

Em horarios mais movimentados, deve ser horrivel para quem tem fobia social. Tem muita gente, parece uma grande 25 de Marco em epoca de Natal.

Quem nao fala ou entende japones, tem que rebolar. Sou neto de japoneses, mas nao falo o idioma. So aprendi a falar Sumimassen, nihongo shaberemassen, que eh, Desculpa, eu nao falo japones. Ja perdi de conta o numero de vezes que falei essa frase. E o engracado eh que muitas vezes a pessoa continua falando comigo em japones.

Essa historia de que os japoneses mais jovens falam ingles eh lenda.

Pra comer, tambem eh uma aventura. Ainda nao achei restaurante com menu em ingles. Entao, o negocio eh apontar pra alguma foto ou pra comida do sujeito ao lado para mostrar o que vc quer comer.

Eu tenho me divertido, me fingindo de japones no meio dos japoneses. Comi algumas vezes em uns lugares que servem comida no balcao. Tem uma maquininha tipo daquelas de cafe, com foto, gracas a Deus. Vc poe a moedinha la, sai um tiquete, e o unico trabalho que vc tem eh entregar o bilhete pro atendente. Que nao te pergunta nada. Antes de fazer qualquer coisa, fico um tempao olhando pra imitar.

Tambem resolvi comer obento, que eh como se fosse uma marmita. Vc vai na loja, compra, e tem umas pracas em que as pessoas ficam comendo ao ar livre. Tambem me fingi de japones e comi. O unico problema foi saber onde jogar o lixo. Sao varios lixos, e vc nao pode simplesmente sair jogando. Tem um pra objetos reciclaveis, outros pros nao reciclaveis, um pra garrafas de plastico etc....Fiquei meia hora olhando, mas acho que devo ter jogado no lugar errado.

Como estou a trabalho, nao deu pra passear muito ainda.

Mas ja dei uma volta rapida por Shibuya, Roppongi e Harajuku. Nao tem equivalente em Sao Paulo, mas se vc forcar a barra, da pra dizer que tem a ver com a rua Augusta e a Vila Madalena.

Bem, quando voltar pra SP, conto mais.

Sunday, April 08, 2007

O cineminha vai ao cinemão




O armário está aberto há horas, todas as roupas sumiram. Você pode achar uma bobeira, se estivesse no prédio em frente, e visse pela janela uma mulher só de calcinha a entrar e sair do banheiro. Nenhuma roupa servirá hoje à noite. É tudo uma grande bobagem, você riria e me humilharia. É apenas um filme, você diria.

É apenas um filme. Mas ando com medo de duas horas intensas.

Não é apenas um filme, eu sei retrucar, ainda não irritada. Em duas horas posso ver impérios sendo construídos e destruídos. Posso ver aquele momento em que a vida do moço bonito começa a descer ladeira abaixo. E terei que abandoná-lo em seguida. Como me comunicar com quem já não está entre nós? Não estou pronta para ver o filme da minha vida. Não hoje à noite.

Não consigo viver à base de pedaços. Quero saber o antes, o que veio antes do antes, e gosto de previsões. Não conseguirei prestar atenção no filme. Às vezes acho que não há ônibus nesta cidade.

Qualquer coisa vai servir. Há tempos não entro numa sala escura. Não sei o que fazer. Conversar? Pegar na sua mão? Gosto de ficar em casa. Há mais espaço no sofá.

Sei que vai ser ruim. Não tem nenhum filme bom em cartaz na cidade. Não tem histórias boas nesta cidade. Não gosto do escuro. E não consigo dormir. Se eu não durmo, eu não sonho.
Por que ele demora tanto?

Por que eu não consigo lembrar seu endereço?

Preciso parar. Eu sei que as pessoas são gentis umas com as outras porque a gente imita. A gente só imita, mas não sabe por quê. Mas eu insisto em acreditar. Preciso parar porque há tempos não compro roupas novas.

Eu não consigo lembrar da última vez. Quer dizer, de relance, lembro que era bom. Que a gente sorria, mas nada mais. Acrescento uma música de fundo, reescrevo diálogos. Reenquadro as cenas, me vejo falando, discutindo, tomando-a nos braços. Me vejo na cama. Mas sei que não foi assim. E de onde tirei essas cenas? É o melhor filme que eu já vi na vida.

Mas eu não quero parar. Como dia após dia, como despertador tocando após despertador tocando, como cara amassada no espelho após cara amassada no espelho. Eu vou.

Eu sou daqueles que vêem o mesmo filme várias vezes. A primeira é só para falar que vi. Na segunda, finjo ansiedade, mas sei o que vai acontecer. Acho que só assim para me sentir um deus. Mas nunca tive vocação para isso. Acho que prefiro nada saber. Na terceira, brinco de memória. Sou adivinho. Sei o que cada um vai dizer ao outro. Sei que agora a moça não vai beijar o moço, mas que daqui a 40 minutos, eles estarão suando e balançando a cama. Não há fim.

Quero acreditar em você. E ver de novo histórias previsíveis.